Um Amor Além da Vida: 25 – Andar Sem Sair do Lugar



Capítulo 25 – Andar Sem Sair do Lugar

Já devia ser madrugada quando bati desesperadamente na porta de Carla e joguei-me nos seus braços quando a porta foi aberta. Sentamos no sofá e eu fiquei um tempo chorando, enquanto as mãos dela acariciavam meus cabelos. Marina voltou da cozinha com um copo d’água que me entregou, sentando depois na poltrona a nossa frente. Ficou olhando-me preocupada, e de vez em quando olhava mudamente para Carla, por fim, levantou-se dizendo que estaria no quarto. Depois de um tempo, e já mais calma, olhei para Carla, como se tudo tivesse acabado.

- A mãe dela descobriu, não foi? – ela perguntou-me com um leve tom de tristeza na voz. Eu apenas balancei a cabeça afirmativamente.

- E foi da pior maneira possível. – eu respondi, sentindo as lágrimas brotarem novamente.

Eu não precisava dizer mais nada, não tinha o que falar, Carla conhecia bem a sua amiga, limitou-se a apenas cuidar de mim naquela noite. Marina também não fez objeção nenhuma á isso, então passei a noite na casa delas. E então, depois de uma semana, veio o telefonema de Alice, nunca me esquecerei do que ela me disse naquela tarde:

- Clarice?

- Sim, sou eu. Quem fala? – eu perguntei, com desânimo na voz.

- Aqui é a Alice. – eu gelei! Não consegui dizer mais nada por um momento. A voz dela soou hesitante do outro lado do fone: - Você lembra-se de mim?

- Claro. – eu respondi, ainda sem saber o que dizer. Ela tomou a iniciativa:

- Bom, estou ligando para te informar sobre o que está acontecendo. Mamãe descobriu aquele dia e você viu como ela é, disse que se vocês estivessem tendo um caso, ela não consideraria mais a Pri como filha. Bom... Minha irmã preferiu continuar com a família dela, portanto, será melhor para vocês duas se deixarem quieto, esperar a poeira baixar. A gente não pode nem mais tocar no seu nome, em casa. Então, por favor, eu sei que difícil, mas tente não procurá-la.

Eu não conseguia dizer mais nada além de “tudo bem”. Desligamos o telefone e eu fiquei ali, parada, sem saber nem como agir. Meu mundo literalmente caíra, como diria Maysa. Meu amor? Era Priscila. Minha casa? Era a casa dela. Boas lembranças? As que estávamos juntas. Ela tinha virado meu mundo, e este fora arrancado de mim sem dó nem piedade. E como boa teimosa que sou, não desisti tão fácil assim de Priscila. Aliás, o verbo “desistir” não consta no meu vocabulário. Passei dias ligando para a casa dela, mas a mãe dela atendia e batia com o telefone na minha cara, minhas cartas, não sei que destino tomavam, mas eu não recebia respostas.

Foram meses nessa, sabe como é uma pessoa fazer parte integral da sua vida durante um tempo, e de repente, do dia para noite, ser como se ela nunca existisse? Pois então, foi mais ou menos isso que aconteceu.

Carla e Marina ajudavam-me como podiam, mas eu passei muitos meses imersos em minha solidão, em minha própria dor. Não queria sair, era da faculdade para casa, e da casa para faculdade, e falando nisso, eu ficava agora em minha casa, não ia mais para a casa dela, as lembranças lá eram muito fortes e deixavam-me muito pior. Carla ia lá sempre para ver se estava tudo no lugar e etc.

Naquele tempo eu emagreci ou engordei, não sei bem, talvez um pouco dos dois. Havia noites em que passava comendo chocolate ou qualquer coisa vendo televisão, sem nem me mexer, enquanto outros dias eu passava sem vontade de comer nada, tomava apenas água. Eu sei que nada disso fazia bem para mim, mas eu não podia agir diferente, sentia como se algo estivesse faltando, um pedaço de mim, e estava mesmo!

E foram passando os dias, as semanas, até eu cansar de ficar assim, nessa depressão contínua, então resolvi começar a sair com minhas amigas, para outros lugares, boates e festas, me esbaldava, mas não era eu. Beijava tantas bocas e não me satisfazia, não sabia quem eram, apenas beijava. As mulheres passavam em minhas mãos, pela minha boca, mas eu não as distinguia, para mim eram todas iguais. Era uma massa de pessoas que dançava sem parar, um mar de rostos no qual eu procurava inconscientemente o rosto de Priscila, mas era tudo em vão. Eu andava sem sair do lugar, caminhava para o vazio.

Passou um ano, e então eu conheci Rita, uma moça linda e que acabou mexendo comigo, não do jeito como Priscila mexia. Ela sabia da minha história com a minha “ex”, mas eu nunca contei quem era e nem os detalhes, muito menos o porquê que eu usava um anel pendurado em uma cordinha no pescoço, provavelmente ela sabia, mas nunca me perguntara, e também nunca me dei ao trabalho de responder.

O problema era que Rita era alguns anos mais nova do que eu. No começo, era tudo as mil maravilhas, ela vinha sempre em casa e ficávamos namorando no sofá, víamos filmes, fazíamos piadas e gracinhas. Eu mergulhei de vez na relação, assim como mergulhava em seu corpo altas horas da madrugada, não tinha receios. Beijava seu corpo todo e saciava-me dele, sabendo ou não, que lá no fundo, era outro corpo que eu ansiava ter nos meus braços. Mas eu não pensava nisso, não queria pensar. Jogava-me sem pensar nas conseqüências, e Rita acabou sendo uma pessoa que sempre estaria comigo, alguém com quem eu poderia sempre contar.

Até o dia em que ela começou a ser mais fria, ficar mais reservada. Quase não falava comigo, e quando ficávamos juntas, ela não demonstrava tanto carinho, nem em atos e muito menos em palavras. Aquilo doía fundo, principalmente por eu ser muito amorosa e carinhosa, em excesso ás vezes. Jamais esqueceria a conversa que tive com ela, e os sentimentos que foram conseqüências disso:

- Olha, nós temos que conversar. – Rita sentou-se no sofá e eu sentei ao seu lado.

- Sim linda, diga. – eu sorria, apesar de temer o assunto abordado.

- Eu queria dizer que eu ainda estou muito confusa com algumas coisas, tem horas que sei o que eu quero, e horas que não sei. Sou muito confusa, sei disso. E bem fria ás vezes, e apesar de não querer te machucar, sei que te magôo.

- Entendo... – eu sussurrei, sabia o que viria a seguir...

- Eu queria um tempo para pensar em tudo o que tem me acontecido nesses dias, nas minhas decisões, no que eu quero. Ainda não sei se gosto de homem ou de mulher, tem a pressão lá em casa e tudo o mais, não quero ficar te magoando o tempo todo, você não merece isso. Então peço um tempo para pensar em tudo isso.

- Entendo. Se é isso o que você quer, para tentar se organizar, tudo bem.

- Ainda seremos amigas?

- Claro. – eu disse isso me segurando para não chorar, não na frente dela.

Depois de uns minutos eu ouvi a porta da sala fechando-se, então desabei a chorar no colchão da minha cama. Os pensamentos vieram na hora em minha mente, era sempre daquela maneira! Por quê? Era inacreditável! Tudo era bom no começo, e era como se de repente eu perdesse o encanto, como na história da cinderela, ou coisa parecida. Era como se eu visse a história repetindo-se. Eu não poderia continuar amiga dela, não naquele momento. Ainda mais se ela viesse pedindo conselhos sobre ficar com a professora gata dela, assim como fez uns dias depois. Eu queria morrer sabe? Mas eu morria sozinha na minha angústia e solidão, pois todas as minhas amigas, inclusive as novas que haviam aparecido e sabiam da história, pediam para eu esquecer. Como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo.

- Clarice, você não pode continuar assim amiga! Ela não te merece! Essa garota se acha, nunca gostei dela. É tão arrogante e pretensiosa! Não quero te ver triste!

- Tudo bem, Julia, vou ficar mais alegre, vou esquecê-la. – eu dizia isso sabendo que não iria, não era tão simples, como apagar e ligar a luz.

Comecei então a ficar sozinha quando precisava chorar ou lembrar-me dela, para não incomodar minhas amigas, criei uma espécie de máscara, quase ninguém sabia como eu realmente me sentia. Saía para bares e divertia-me com as garotas, mas no fundo nada sentia, só a felicidade momentânea.

E mesmo depois de um ano sem vê-la ou falar com ela, sem notícia nenhuma, quando eu estava sozinha ouvindo rádio, dependendo da música que passava no rádio, eu lembrava-me dela, de nós. Então eu fechava-me novamente no meu casulo escuro, sozinha, para chorar.

Parece tão estranho e frágil, não é? Diria até que idiota uma pessoa ficar assim por alguém que não lhe dá o devido valor. Mas quem disse que amar é lógico? Que sentimentos são inteligentes? E o coração, onde fica? Certamente não na razão. Loucura. Era o que eu sentia por ela. Era amor puro, pois o tempo passava e eu não me esquecia dela, nem dos gostos, nem das lembranças, nada. Queria tê-la ao meu lado outra vez, e por incrível que pareça, eu perdoaria tudo o que ela havia feito se ela voltasse para mim.

“The walls start breathing
My minds unweaving
Maybe it's best you leave me alone.
A weight is lifted
On this evening
I give the final blow.”

E era assim que eu me sentia, queria estar sozinha, para pensar, para chorar por ela. Não é que eu não tentasse ficar feliz, mas eu simplesmente não conseguia. Tudo era sobre Priscila, não passava, por mais que eu quisesse.

“When darkness turns to light,
It ends tonight
It ends tonight”

E foi nesse tempo que minhas canções diminuíram e meus poemas aumentaram. Eram todos tristes, por que era como eu sentia-me no momento, as únicas canções que eu cantava eram as nossas, ou a que me faziam lembrar-me dela. E minhas poesias eu guardava para mim, ninguém poderia saber o quanto eu ainda sofria por ela. Somente Carla e Marina sabiam, é como vocês sabem, Carla poderia ser uma vidente, ou algo do tipo, sabia quando eu não estava bem, sem necessidade de eu dizer nada. Eu esperava por Priscila, e assim aquela nossa música tornou-se para mim a esperança, literalmente, de que ela voltasse, de que ela não desistisse do que queria, nem do que era. Esperava que quando as trevas virassem luz, meu pesadelo acabaria, e meu sonho de tê-la comigo novamente estaria concretizado. 

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