Olhos de Ressaca


Capitu, era esse o seu nome. Ou o seu apelido. Em uma roda de conversa entre amigos, ao ouvir esse som, peguei-me a pensar sobre qual a sua origem... Seria por causa do livro de Dom Casmurro? Foi inevitável não lembrar dessa tão sublime e única personagem de mesmo nome. As horas passaram, e já não se falava mais no assunto. Provavelmente eu nunca saberia quem era aquela moça, não fosse os acasos da vida.
Depois de passar a noite em claro, ao em vez de ver o filme com os outros, adormeci entre colchões e travesseiros. Acordei, cara amassada, cabelo desarrumado e olhos embaçados. Que caricatura eu seria! Já nem ligava para aparência, não fosse aquelas duas moças que adentraram o quarto. Apesar de serem duas, meus olhos só enxergaram uma. Cabelos negros, corpo magro e moreno, tatuagens que cobriam o braço, saia comprida de variados tons amarronzados, regata preta, e um brinco enorme de pena colorida na orelha direita. Distoava do ambiente, e me peguei hipnotizada por aquela criatura tão diferente das outras. Quando olhou para mim, dois olhos negros que me puxavam para ela. Tinham um formato de amêndoa, meio tristes... Meio misteriosos... Ela quase nada disse, sentando-se do outro lado do quarto. Eu não conseguia tirar meus olhos dos dela, impossível! E então, nem precisou me dizer seu nome, mas logo tive a tão esperada confirmação: Capitu. Chamaram-lhe Capitu. Eu não hesitei em concordar que lhe caia muito bem. Aqueles eram olhos de ressaca, não sei se de cigana oblíqua e dissimulada, mas com certeza de ressaca, que me puxavam para dentro desse mar de mistérios e incertezas. Infelizmente para a minha pessoa, ela não se comunicou muito, falou pouco, mas seus olhos... Diziam tudo. Ou nada. Eu não pude evitar de olhá-los, sondá-los, e as vezes as íris escuras se encontravam com as minhas, como se me convidassem... Se dissessem... E então se desviavam, como se nunca mais quisessem me ver. Os minutos que se passaram pareceram segundos, e quando eu ví, ela já estava pronta para ir. De mochila nas costas, enquanto a amiga comentava assuntos de última hora, meus olhos se cruzaram com os dela pela última vez, permitindo-se ficar um pouco mais no mar negro e revolto. Antes que eu pudesse descobrir qualquer coisa sobre ela, a cigana de olhos de ressaca, sem se despedir, perdeu-se de vista escada a baixo, indo embora sem deixar vestígios.

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