Um momento de estranhamento


N/A: texto produzido para o Ninho Online sobre um momento de estranhamento vivido pelo personagem.

         Eles disseram que vou me sentir melhor. Eles disseram que tudo ia ficar bem. Mas não consigo tirar esse peso da garganta, não consigo tirar essa sensação de borboletas rasgando meu estômago. Dois meses atrás, quando cheguei em casa, minha mãe estava mexendo no meu quarto. Jogava meus CDs fora, tirava os pôsteres de banda das paredes, olhava minhas anotações nos cadernos. Quando me viu, não falou nada. Na semana seguinte ela me comprou um vestido. Deixou em cima da minha cama. Sorri amarelo, agradeci, mas disse que eu não queria, não gosto de vestidos. Ela insistiu, eu tentei usar. Olhei-me no espelho com aquela peça rosa florida caindo desengonçadamente no meu corpo magricela. Não gostei, não me senti bem.

        Duas semanas depois, ela me apresentou a um menino, filho da vizinha da amiga dela. Era um cara legal, bonito, simpático, inteligente. Estávamos jogando conversa fora quando ele tentou me beijar. Olhei-o com espanto, empurrando-o para longe de mim. O que ele estava pensando? Eu não gostava de meninos! Ele podia ser meu melhor amigo se quisesse, mas nada além disso. Os dias se passaram e meus pais me olhavam torto toda vez que eu passava. Cochichavam nas minhas costas, planejavam coisas. Comecei a sentir uma leve paranoia. O que estariam tramando? O que iriam fazer? Eu não conseguia sair de casa sem me sentir vulnerável, sem ter medo de me perseguirem ou de me atacarem no meio do caminho. Eu sinceramente não entendia qual era o problema em me deixar ser daquele jeito! Eu não estava machucando ninguém! O problema era meu se eu gostava de garotas! De saco cheio, no almoço de domingo eu finalmente gritei: “Me deixem em paz! Eu não sou doente!” Eles me olharam espantados, por um segundo, um brilho perpassou seus olhos, como se finalmente resolvessem a equação matemática, finalmente haviam descoberto o x da questão.

     E ali estávamos nós. A sala parecia branca demais, sufocante. Meus pés estavam adormecidos. Meus ouvidos zuniam. De frente para mim, de jaleco branco, rosto sereno, ele me perguntava sobre minha vida, meus amigos, meus desejos. Eu não podia deixar de me lembrar sobre o porquê eu estava ali. Como, para a sociedade e para os meus pais, eu não me encaixava no mundo. Era um ser estranho. Mas por quê? Por que eu não podia simplesmente ser quem eu era? Viver minha vida? Eu acordava todos os dias, ia para a escola, fazia esportes, aula de inglês, saía com meus amigos, me divertia. Qual era o problema em gostar de meninas? Não fazia sentido. Olhei novamente para o homem a minha frente, seu sorriso branco, jaleco branco, parede branca. Sufocantemente branco. A voz mansa saiu novamente de sua boca, e como eu ainda não o entendia, ele subiu um tom:

— Bruno? Está pronto para começarmos nossa sessão?

2 comentários

  1. Teu texto me trouxe inspiração. Não sei se é só um personagem ou algo real, mas me cativou. Obrigada!

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    1. Muito obrigada! Foi um personagem apenas, mas estava na época que estavam falando sobre os psicólogos poderem "tratar" da homossexualidade. Foi um desabafo sobre o quão ilógico isso podia ser se pensássemos o contrário. e de nada! É sempre bom quando a inspiração chega xD

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