A Tempestade


Quando as nuvens negras se aglomeram no céu cinza, e o vento uiva no norte, é sinal de que uma tempestade está por vir. Não há abrigo para me esconder, e eu tento acelerar o passo, mas um problema de nascença me impede de correr. Olho para trás e vejo o quão longa e escura essa estrada tem parecido para mim. Avancei um bom tanto, mas estou longe do meu destino final. Em uma pequena vila, corro batendo de porta em porta, pedindo para que me deixem entrar, nem que apenas de passagem, só para me manter segura quando a chuva passar, mas não ganho moradia. Em alguns deram-me migalhas de pão para não passar fome e um copo d'água para passar a sede, mas meu corpo pede por mais, minha alma anseia por mais. Eles não podem me dar mais, desculpe, eles não têm nem para eles mesmos... Tudo bem, eu agradeço, mas por dentro não consigo evitar o sentimento de mágoa e rejeição. Alguns anos atrás nesta mesma vila eu havia conseguido um abrigo que parecia seguro e confortável, mas na verdade ele escondia muito mais perigos que eu sequer poderia imaginar. Hoje foi derrubado e transformado em um belo casebre.
Apesar da vontade de lá bater, impeço-me de fazer tal besteira, lá não é lugar para mim. A chuva começa a cair, e eu tento desesperadamente me proteger embaixo de toldos e da vegetação que eu encontro pelo caminho. Tenho dúvidas e medos, mas não há uma viva alma para quem eu possa perguntar. Apesar de toda a fé que carrego neste coração cansado, começo a duvidar de que haja um caminho para ser guiado. Perdida, confusa, e cansada, deixo-me levar pela escuridão da noite que secretamente envolve meus ombros. Considero-me abandonada à própria sorte. Pobre garota tola e ingrata. O raio que atinge o chão com um estrondo revela pequenas sombras envoltas em um manto transparente. O segundo raio atinge uma árvore, e mais sombras parecem vir em minha direção. Olho assustada, querendo escapar, receosa de que fossem mal fazer, mas quando perto chegam, aglomerando-se bem em frente aos meus olhos, uma fraca luz começa a se formar, intensificando-se conforme mais almas se achegam. Já não ouço mais o barulho da tempestade, nem a frieza de suas gotas, apenas a luz que parece me acolher com tanto amor e carinho. Com expressões de tristeza me recebem, e quando estou bem no centro daquele facho iluminado, consigo enxergar com clareza o campo ao meu redor. Observo almas e mais almas que sempre estiveram ali cuidando para que eu não me desviasse do caminho, amparando meus pés machucados, mantendo-me segura do frio e da fome com o manto do espírito e o alimento do amor. Como eu pudera ser tão cega? Não perceber que sozinha nunca estivera? Quanto ódio e rancor eu guardara daqueles pobres cidadãos? Ódio este que se voltara contra mim mesma. Elevando meu espírito eu me perdoei, soltando-me de todas as amarras terrenas e ascendendo para o plano dos céus.

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