Conto - Então É Natal


Então É Natal 

Tomei mais um gole da taça de vinho que estava em cima da mesa, enquanto ia preparando a ceia de natal. Olhei mais uma vez o pernil que estava assando no forno, tudo certo. Depois adicionei algumas coisas á mais na farofa e experimentei, está ótima. Por enquanto estava tudo saindo como o planejado.

O rádio ligado me presenteava com, mais uma vez, “Então É Natal”, da Simone. Ia ao embalo, fazendo a maionese, desviando de Lila que pulava e latia ao meu lado,também animada com o natal.

De repente o telefone tocou, eu parei de lavar a vasilha e corri para atender:

- Alô?

- Beatriz? Como vai filha?

- Estou bem, mãe. E a senhora?

- Ótima! Só liguei para perguntar se tudo está indo certo e para te desejar feliz natal!

- Ah feliz natal para a senhora também! Sim, está tudo muito bem, o pernil já está assando. Acho que até de noite fica tudo pronto.

- Que bom meu amor. Então até depois. Beijos.

- Beijos mãe.

Desliguei o telefone. Ela me ligava todo ano, me desejando feliz natal e vendo se tudo estava bem. Moro sozinha com minha cachorrinha Lila, e geralmente todo ano meus amigos vêm passar o natal comigo.

Já eram mais ou menos umas quatro horas da tarde. Olhei pela janela e percebi que os flocos de neve caiam. Olhei mais ao longe e vi aquela imensidão branca, senti uma ponta de solidão, mas balancei a cabeça tentando não pensar muito nisso, afinal meus amigos iam chegar mais tarde.

Fui até o banheiro, enchi a banheira de água quente e tirei a roupa, olhei-me no espelho, apesar de meus vinte e cinco anos ainda estava bonita. Os cabelos vermelhos cor de fogo, os olhos verdes, tudo aparentemente normal.

Entrei na banheira e me deixei relaxar naquela água quente, foi como se todos os meus problemas não existissem mais. Aliás, fazia três noites que eu tinha dificuldades para dormir e chegava até mesmo a não conseguir dormir. Fiquei ali um bom tempo.

Depois do banho me enrolei na toalha e fui até o quarto, escolhi um vestido vermelho e um salto alto, para aquela noite. Coloquei meus acessórios, penteei o cabelo e o arrumei.

Voltei para a cozinha e fiz um arroz. Olhei no relógio, já eram cinco e meia, dali a pouco os convidados começariam a chegar. Com um sorriso no rosto, eu ia arrumando a grande mesa na sala de jantar, colocando todos os pratos, talheres, copos...

Depois de tudo arrumado, andei pela casa verificando se tudo estava certo, o presépio montado num canto, no outro a árvore cheia de presentes, luzinhas piscando pela casa, toda a decoração de natal.

Voltei para a cozinha, o pernil já estava pronto, tudo estava pronto. Sorri e me sentei no sofá da sala. Fiquei vendo alguma coisa na televisão, com Lila deitada em meu colo.

O relógio da sala bateu nove e meia. Eu estava morrendo de fome. Desliguei a televisão e fui para a sala de jantar. Coloquei todas as travessas com comidas em cima da mesa. E então, meus olhos refletiram toda a tristeza que eu tinha em meu coração.

- Já está na hora de encarar a realidade, Beatriz. – eu disse para mim mesma.

Uma lágrima desceu pelo meu rosto, enquanto eu me servia de arroz, farofa, maionese e uma fatia de pernil. Não ia chegar mais ninguém, eu sempre soubera. Eu ia comer sozinha. Sentei na ponta da mesa e comecei a comer, sentindo o silêncio da solidão me invadir profundamente. Lila olhava-me, pedindo um pouco de comida. Dei um pedaço de carne e sorri tristemente.

- É minha linda, acho que somos só eu e você.

Segurei o choro e voltei a comer. Aquilo doía demais. Eu sempre gostei da minha casa cheia, mesa farta para que todos comessem bem. E dessa vez eu comia sozinha.

Após cear voltei para a sala e fiquei vendo algum filme repetido de natal, eles sempre passavam os mesmos. O filme me interessou.

O relógio da sala bateu doze vezes. Meia noite. Sorri. Era hora de o Papai Noel chegar. Levantei, indo até a ante-sala, com Lila em meu encalço.

- Vamos meu amor! Será que o Papai Noel deixou alguma coisa para todos nós?

Ela balançou o rabo, me seguindo feliz. Cheguei até a árvore, estava cheia de presentes. Sorri, meus olhos brilhavam.

- Olha só quantos presentes! Vamos abrir!

Parecia uma criança. Sentei no chão e peguei uma caixa florida retangular.

- De quem será esse? – sorri e rasguei o papel. Era um osso.

- Esse é pra você! – entreguei-o á Lila que logo começou a roê-lo.

Voltei-me para a árvore e peguei outro presente, li o nome: Carla.

- Esse é para você, Carla! – sorri e coloquei o presente em cima da cadeira vazia.

Peguei outro embrulho azul e li o nome: Marina.

- Esse é para você Marina! – sorri novamente e coloquei-o no chão, ao meu lado.

E assim fui fazendo, colocando todos os presentes em seus respectivos lugares.
Até que chegou a minha vez. Peguei um embrulho verde e rasguei o papel. Meus olhos brilharam ao ver os DVDs do meu seriado preferido.

- Ah não acredito! Era tudo o que eu queria! Obrigada! – comecei a pular, agarrando meu presente.

Corri até a sala e logo coloquei o CD de DVD no aparelho e a musiquinha característica começou. Eu estava em estado de excitação. Comecei a assistir, de repente tive que fazer um comentário:

- Meninas! Olhem como eles parecem tão perfeitos juntos?

Olhei ao meu redor, além de mim não havia mais ninguém. Ninguém com quem dividir minha ansiedade, ninguém com quem dividir minha felicidade, minha excitação. Minha alegria. Ninguém.

Uma lágrima escorreu de meus olhos, e depois outra e outra. Chorei sem parar. Não sabia mais o que fazer, somente queria que a dor parasse a dor de estar completamente só.

Desliguei o DVD e passei pela ante-sala novamente, vi os presentes, todos intocáveis e nos mesmos lugares. Solucei e entrei no meu quarto, fechando a porta com força. Nem me lembrei de Lila, que provavelmente continuava roendo o osso.

Tentei dormir, mas as lembranças, mágoas e dores me invadiam, virei várias vezes na cama sem conseguir pregar os olhos. Liguei o rádio e deixei que a música me curasse a alma. 

“Então é Natal, e o que você fez?
O ano termina, e nasce outra vez.
Então é Natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, do amor como um todo.
Então bom Natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.”

           A música da Simone outra vez. Fui me deixando embalar pela melodia, começei a sorrir. Estava mais calma. Fechei os olhos e lembrei de todas as risadas das minhas amigas, elas tinham acabado de ir embora. Foi uma festa e tanto a daquele dia! Eu estava sorrindo de felicidade, minhas amigas eram tudo para mim e nunca me deixariam.

Com aquele pensamento, o sono foi vindo, me embalando junto com a música. Pode parecer que estou louca, mas ás vezes é preciso ceder um pouco á loucura para poder ficar feliz por apenas um momento, para não acabar enlouquecendo ao descobrir que você está completamente só. A solidão é a pior das coisas. Ás vezes prefiro que me chamem de doida, do que dormir entupida de rémedios e na manhã de natal não acordar mais. 

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