A Promessa


“... Eu sei que você não pode ficar ao meu lado agora, entendo. Então, peço que entenda também que eu não posso ficar presa aqui. Por isso, estou indo embora. Vou seguir meus sonhos, tentar construir minha vida, tentar me achar. Mas eu te prometo uma coisa: eu vou voltar. Espere por mim, eu vou voltar.

Amo-te com todo o meu ser, para sempre.

Flávia.”

           
            Colocou a carta sobre a mesa. Tomou mais um gole da bebida que havia pedido, enquanto olhava para o papel à sua frente. Relia aquela carta pela milésima vez? Talvez... Já tinha perdido as contas. Fazia mais de dez anos que Flávia havia escrito aquela carta, e desde então, nunca voltara.


- Camila, você é uma idiota! Depois desse tempo todo, e ainda continuo esperando... – uma lágrima rolou pelo seu rosto.

            Ninguém a importunava naquele bar. Conhecia o dono há muito tempo, aliás, sempre gostara de ficar por ali. Desde os seus dezoito anos, quando Flávia fora embora.

- Você não muda mesmo não é? Eu sabia que ia te encontrar aqui. Ainda mais no dia de hoje.

            Aquela voz... Aquela doçura... Camila desviou o olhar da carta, e seus olhos não acreditaram no que viram: deparou-se com uma mulher morena, sorriso no rosto, ao seu lado. Não podia acreditar!

- Flávia? É mesmo você? – sua voz saiu um pouco tremida.

- Claro! Não me reconhece? Eu sei, mudei um pouquinho, estou mais morena, mais roupa, mais... – a outra a interrompeu:

- Na verdade, mesmo que mudasse tudo, eu ainda te reconheceria.

            As duas sorriram e Flávia puxou a cadeira ao lado da loira, sentando-se. Olhou para a carta em cima da mesa, depois encarou aqueles olhos penetrantes e voltou a sorrir, dizendo:

- Eu disse que voltava, não disse?

- É, mas eu estava ficando sem esperanças... Mais de dez anos, Flá! É muito tempo...

- Mas você nunca deixou de acreditar, não é? Que eu ia voltar? – buscou os olhos azuis.

- Não. No fundo, eu não me deixava desistir.

- Eu sabia! – sorriu de canto.

            Apoiou o cotovelo na mesa e descansou a cabeça em cima da mão, admirando a mulher ao seu lado. Já fazia tanto tempo que não a via, tinha tantas saudades! Fingia calma, mas por dentro seu coração quase saltava pela boca.

- Então, conseguiu o que queria?

- Sim, depois que saí daqui, viajei para vários lugares, consegui trabalho. Precisava disso, me sentir viva. Conheci outras pessoas e...

- Outras garotas? – Camila fechou a cara, fazendo a morena rir.

- Também. Conheci outras garotas. Fiquei com outras garotas. Mas não amei outras garotas. E você?

            Flávia achava que Camila ficava tão fofa com ciúmes! Adorava isso nela, às vezes ficava emburrada, quando elas eram pequenas, por motivos tão bobos! Então, a morena sempre a abraçava e beijava-a, fazendo com que ela se esquecesse dos seus ciúmes.

- Bem, eu me casei, tive filhos, mas acabei me separando ano passado. De vez em quando Gabriel leva as crianças para dar um passei comigo, mas na maioria das vezes, dividimos os dias para ficar com elas.

            A morena deu uma risada, balançando a cabeça negativamente.

- O que foi?

- Nada. Já era de se esperar que você tivesse casado com um cara. Realmente, nada mudou. – Camila sentiu um tom de decepção na voz dela.

- Eu me apaixonei por ele, não tenho culpa. Você pode se apaixonar por uma garota, porque eu não posso me apaixonar por um garoto?

- Você pode o problema não é esse. O problema é que você é covarde. Tem medo. Quando era pequena, tudo bem. Precisava da família, ainda era dependente. Agora, com trinta e poucos anos, independente, mulher feita, que não deve nada a ninguém, continua se escondendo atrás dessa família perfeita. Amou-me durante todo esse tempo, mas forçou-se a viver do lado de um homem por tantos anos.

- Hey, não é bem assim! Eu... – ela tentou protestar, mas Flávia a interrompeu:

- Não? Então, deixa eu te fazer uma proposta: Agora mesmo, saia comigo daqui, venha morar comigo, viver comigo. Venha ser minha, como sempre foi. Deixe que o te mostre o meu amor, todo o amor que ficou preso por tanto tempo.

- Agora? Não dá, tem muita coisa a ser feita, ser conversada, ser...

- Chega Camila! Viu? Você só está arrumando desculpas para não viver esse sentimento dentro de você! Se não me amasse, não estaria aqui, nesse dia vinte e três. Cansei.

            Levantou-se e foi em direção a porta. Camila assustou-se, era a primeira vez que a morena fazia aquilo. E ela sabia, que no fundo, Flávia tinha razão. Passara toda a sua vida, nessa dualidade de sentimentos, nesse medo. Receios. Dúvidas. Pela primeira vez tinha a chance de poder ser quem era e de poder viver sua vida.

            Levantou-se e foi atrás da outra. O dono do bar sorriu. Finalmente ela tinha tido coragem. Ele acompanhava aquela história há quinze anos.

- Flávia, espera! – a loira gritou ofegante, alcançando-a do outro lado da rua.

            A morena parou, virando-se para a loira, esperando que ela falasse.

- Eu sei que sou uma idiota! Me desculpe! Você está certa, tudo o que disse! Mas pela primeira vez na minha vida, a ficha caiu. Eu quero viver! E você é minha vida. Vai ser difícil, para mim, mudar dessa maneira. Mas te peço que tenha paciência, e me ajude.

            Flávia sorriu, e sem dizer uma palavra, abraçou a loira, sussurrando em seu ouvido:

- Eu prometo que você não vai se arrepender! 

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