Capítulo 21 – O Início da Dor
Eu
simplesmente não podia acreditar no que meus olhos viam. Eu acordei naquela
madrugada fria e vi Priscila de pé, trocada, arrumando uma mala. Minha cabeça
começou a girar... O que ela estava fazendo?
- Aonde você vai? – eu perguntei
ainda com sono.
Passei a mão
nos olhos para abri-los de vez. Priscila olhou-me aflita, e tentou dizer alguma
coisa, sem muito sucesso.
- Eu... Eu...
- Você vai embora? Me deixar? –
olhei para a mala em cima da cadeira, eu não podia acreditar. Era como se algo
dentro de mim se quebrasse. Sentei na cama ainda com a mão na cabeça, sem saber
o que fazer.
- Não, é que... Minha mãe precisa
de mim, eu tenho que ir.
- Como assim, sua mãe? – eu
perguntei mais alto. Ela nunca havia me falado nada sobre a mãe dela. Por que
justo naquela hora?
- É, minha mãe. Ela mora em outra
cidade e está doente, precisa de mim e eu tenho que ir. – ela fechou o zíper da
mala.
- Espera, e eu? Por que não me
contou nada? Nós podíamos ir juntas e...
- Clarice, caia na real! – ela
disse repentinamente largando a mala e virando-se para mim. Continuei olhando-a
nos olhos, estava muito surpresa para dizer algo.
- Minha mãe não sabe de mim,
nunca soube! Aliás, ela não aceita! É homofóbica ao extremo! Não posso chegar
lá com você junto comigo.
Eu olhei-a
surpresa, porque ela nunca me contara sobre aquilo? Era meio impossível de
acreditar...
- E porque nunca me contou? A
gente poderia... – mas antes que eu completasse a frase ela me cortou:
- Não, Clarice! Eu... – ela olhou
para os lados, indecisa e por fim olhou para o chão, dizendo:
- Eu preciso de um tempo. – como
em um flash, eu levantei e fiquei de pé em sua frente.
- Como assim um tempo? – meus
olhos quase transbordavam de lágrimas, não poderia ser verdade...
- É, um tempo. Eu tenho que
cuidar da minha mãe... Pensar, eu preciso pensar.
Eu segurei em
suas mãos, fazendo-a olhar em meus olhos.
- Mas... Eu posso te ajudar...
- Não, não pode. Eu não sou
aquela garota feliz de sempre. Você não conhece minha mãe, nem minha relação
com ela. Por favor, me deixa sozinha. Eu tenho muitas oscilações de humor...
- Mas eu te amo como você é! –
meus olhos transbordavam em lágrimas, tristezas, dores, mágoas.
- Clarice, por favor! – ela
perdeu a paciência me empurrando para trás quando eu tentei beijá-la. Respirou
fundo e disse:
- Eu não quero acabar com nada...
Só preciso de um tempo. Por favor, não piore as coisas... Nem para mim nem para
você.
- Mas Priscila, eu não posso te
deixar ir embora! Eu não posso ficar sem você, será que não entende? – eu disse
abrindo os braços em sinal de frustração. Meu rosto ficava cada vez mais
vermelho e meu coração cada vez mais quebrado.
- Eu preciso! Tchau Clarice,
depois nos falamos. – ela pegou a mala e passando pela porta, olhou uma última
vez para mim, dizendo:
- Eu não queria que fosse
assim... Adeus. – fechou a porta.
Eu não podia
acreditar no que via, era demais... Impossível! Caí sentada na cama tentando
pensar, no que fazer... Ouvi a porta da rua fechando-se e um carro saindo pela
rua. Comecei a chorar sem parar, levantei correndo da cama e abri a porta do
quarto, num impulso, como se com aquele simples gesto eu fosse encontrá-la
parada ali, em minha frente. Mas não tinha ninguém. Bati a porta com força e
encostei a testa na mesma, chorando sem parar. Eu não podia perder Priscila,
não assim dessa maneira. Eu não conseguia parar de soluçar, de chorar, de
sangrar. Ela era o meu mundo, sem ela tudo perdia a cor. E ter saído do jeito
que saiu... Por que nunca me contara nada? Nós podíamos ter resolvidos juntas o
que fazer... Eu poderia ir com ela, como amiga. Não sei... Mas daríamos um
jeito. Então, por que fazer tudo aquilo? Eu não podia entender, não queria
acreditar que ela se fora.
Comecei a
andar pelo quarto em círculos, até cair sentada na cama. Aliás, me joguei na
cama, fiquei deitada sentindo as lágrimas salgadas descerem pelo meu rosto.
Peguei meu celular e ao abrir o flip, uma foto nossa sorrindo era o papel de
parede. Eu chorei ainda mais apertando os olhos para enxergar através das
lágrimas. Disquei o número de Priscila, tocou, tocou e tocou sem parar... Mas
ela não atendeu. Podia estar na rua, dirigindo, por isso não atendia... Era o
que eu queria acreditar. Ilusão. A vida é uma ilusão, e nos alimentamos dela
como se estivéssemos famintos, nossa tábua da salvação.
Digitei uma
mensagem para ela e esperei que ela pudesse ver. Fiquei imóvel durante alguns
minutos, com minha mente divagando, até o barulho do meu celular me acordar.
Era uma mensagem de Priscila. Cliquei em cima e li o que estava escrito.
“Eu só preciso de um tempo para mim. Espera por mim, eu só preciso me
afastar um pouco. Estou bem, viu? Até mais então.
Bjus com amor Pri.”
Meus olhos
leram aquelas mesmas letras até cansarem, eu praticamente gravei-a em minha
mente. Deitei na cama e abracei o travesseiro de Priscila, sentindo o seu
cheiro inconfundível. Sentia muito sua falta, eu sei que ela tinha acabado de
ir, mas era como se tivessem arrancado um pedaço de mim, sentia um enorme vazio
no coração.
Adormeci pensando nela, pelo
menos o sono iria fazer-me esquecer de minhas tristezas, amanha seria outro
dia. Ou, era o que eu achava.
Acordei na
manhã seguinte com a cabeça doendo e olhei em volta, estranhando o silêncio na
casa. Olhei ao meu lado e não vi Priscila na cama. Foi então que comecei a
lembrar-me do que tinha acontecido de madrugada. Não, devia ser algum tipo de
pesadelo... Peguei o telefone e disquei para a casa de Carla. Marina atendeu ao
telefone.
- Posso falar com a Carla? –
minha voz tremia. Logo ela passou o telefone e eu ouvi a voz familiar da minha
amiga.
- Então ela se foi.
- Co-como? Você sabia? – eu não
podia acreditar! Carla sabia! É claro, melhor amiga dela! Por que não pensei
nisso?
- Tenha calma Clarice! Eu estou
indo para aí agora, vou te explicar tudo.
- Eu te mato quando chegar aqui.
– desliguei o telefone.
Desci para a
cozinha e comecei a procurar café para fazer para mim, mas estava frustrada, a
cada porta do armário que eu abria só via a porcaria do chá! Abri a última
porta quase a arrebentando e achei o pó de café. Arrumei a cafeteira e enquanto
o café passava, eu ficava pensando nela. Em como estaria, com quem, onde... Se
estaria bem. Se sentia minha falta... Eu não sabia, mas aquele dia era o inicio
dos meus dias de dor e sofrimento por causa de Priscila.
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