Promessas foram feitas para serem quebradas,
e mulheres para serem abusadas. Já dizia meu pai, que abandonou minha mãe
quando eu tinha apenas três anos. Desde muito nova senti o gosto amargo da vida
nas ruas. Sentia o peso dos corpos de diferentes homens em cima de mim, o
cheiro repugnante de uísque barato impregnado nas roupas imundas, e tudo para
conseguir uma merda de alguns trocados para não morrer de fome.
Desde
pequena aprendi a roubar, comecei com carteiras em bares. Conseguia ir para a
cama com algum ricaço e depois de embebedá-lo e transar com ele, pegava tudo o
que ele tinha e sumia nos becos da cidade outra vez. Aprendi a mentir para
conseguir o que quisesse. A fingir, como uma atriz. Aprendi a apanhar também,
sentir o gosto adocicado do meu próprio sangue. Aguentar a dor, engolir o
choro, não me importar. E com o tempo, as marcas no meu corpo já retalhado não
doíam mais. Com o tempo, aprendi que nada é pessoal, são apenas negócios. Não o
dinheiro. É importante, sim, mas não tanto. O imprescindível para se sobreviver
nesse mundo é ter poder. E agora eu o tinha.
Poder
sobre todas as putas de Nova Iorque. Respeitavam-me, amavam-me como seu fosse a
mãe que elas não tiveram. Vinham a mim em busca de conselhos, davam-me uma
porcentagem alta no lucro que tiveram no mês. E em troca, eu lhes dava o que
queriam. Uma casa onde viviam bem, roupas caras e de grife, dinheiro, contato
com os homens mais poderosos e que as tratariam bem. Eu cuidava de todas, como
se fossem minhas próprias filhas. Quão irônico isso poderia ser? Filhas da
puta, da puta mais destemida, cruel e sem escrúpulos que essa cidade imunda já
viu.
E lá estava eu, com aquela policial
que foi corajosa o suficiente para me investigar, e estúpida o suficiente para
me enfrentar. Mandei que meus homens pegassem a ficha dela. Realmente, era uma
heroína para a comunidade. Estava cumprindo seu dever no Departamento de
Polícia de Nova Iorque há dez anos, tinha algumas condecorações; Salvara uma
criança em um incêndio em um prédio, no qual todos já haviam desistido por
causa do perigo iminente para a população. Mas ela não desistiu e quase se
sacrificou em prol de uma criança, resgatando-a das chamas. Muito
interessante...
— Ainda acha que fez o certo em aparecer
por aqui, depois de eu ter lhe avisado para não vir? – perguntei com um pequeno
sorriso.
— Você é uma criminosa e seu lugar é
atrás das grades – ela disse em um ranger de dentes. Uma mecha do cabelo negro
caiu-lhe sobre os olhos, que faiscavam de ódio. Se eu estivesse em seu lugar,
também estaria morrendo de raiva.
Havia prendido-a
no porão da minha mansão. Seu tornozelo estava preso por uma corrente, que
estava fortemente presa à parede. Ainda não podia acreditar na tolice e na
inocência daquela mulher. Só assim para me desafiar. Já havia se estabelecido
um acordo entre meus homens e a polícia de NY. Eles não interferiam em meus
negócios, e eu dava uma maneirada aqui e ali, além de sempre oferecer uma de
minhas garotas para acompanhar os policiais solitários até suas casas.
— Irritadinha você. Gosto disso – sorri
maliciosamente, sentando-me em uma cadeira, de frente para ela.
— Você não vai se safar dessa! Meu
parceiro está chegando, trazendo outros policiais, e logo cercarão este lugar!
– os olhos caramelo olharam diretamente nos meus, negros como a noite.
— Acha mesmo, querida? Tem a plena
certeza que irão lhe salvar? Ah e por falar nisso, eu acho que vi a cabeça do
seu parceiro rolando escada abaixo esta manhã... – falei como quem não quer nada,
enquanto olhava para minhas unhas compridas.
Em
seu rosto moreno gotas de suor desciam de sua testa, ela estava em pânico e eu
adorava aquilo. Alimentava-me do medo de minhas vítimas. Por um momento eu
senti que ela iria surtar, mas então ela parou, fechou os olhos com força,
respirou fundo. Três vezes. Aquilo me pegou de surpresa. Encarei-a, observando
suas reações. Ela abriu os olhos de uma vez, e dessa vez olhou dentro dos meus,
com uma calma que eu jamais havia visto. Um autocontrole de dar inveja.
Curioso. Aquela mulher era forte, podia-se perceber. Sorri de canto, eu havia
encontrado uma oponente à altura. Para ser daquela maneira, só podia ter
enfrentado coisas muito, mas muito podres nessa vida.
— Você o matou, não é? – perguntou-me
com a voz baixa e um sorriso de derrota nos lábios levemente rosados.
— Matei – um sorriso rasgado apareceu no
meu rosto fino e pálido. Perscrutei aquele rosto moreno, aqueles olhos
amendoados de caramelo. — Você devia ver como o corpo dele se estrebuchou. Como
pulou e tremelicou enquanto o sangue, quente e vermelho vivo, escorria pelos
meus dedos.
Eu
podia sentir seu estômago se revirando dentro daquela barriga perfeita, eu
sentia o nojo que lhe subia pela garganta, mas ainda assim ela olhava dentro
dos meus olhos. Levantei e aproximei-me dela, ela continuou parada no mesmo
lugar. Segurei-lhe o queixo quadrado com a mão esquerda, enquanto a direita
alcançava o objeto cintilante que eu trazia no cós de trás da minha calça
jeans. Não houve reação de surpresa ao ver a faca brilhando em minha mão. Em
meus lábios se abriu um sorriso de puro prazer.
— Por quê? Só me diz o motivo de tudo
isso – sua voz continuava controlada.
— Você realmente não se lembra, não é? –
mordisquei meu lábio inferior.
Passei
a faca levemente pelo seu abdômen, rasgando a blusa branca e fina que ela
usava. Ela engoliu em seco. Passei-a novamente pela barriga, sentindo-a
estremecer ao sentir o toque gélido da lâmina em sua pele quente. Apesar da
urgência em fechar os olhos para esperar o pior, ela continuava me encarando.
— Uma vez você me disse que nada
importava... – comentei ao acaso.
A
faca agora deslizava pelas suas coxas, rasgando levemente o jeans que ela
usava. Seus olhos passavam do brilho da faca, para o brilho dos meus olhos
negros. Larguei-lhe o queixo, mordiscando o lugar que ficara vermelho, depois
mordisquei o pescoço, beijando-lhe e sentindo um arrepio pelo seu corpo
inteiro. Sorri, e lentamente a faca deslizou pela coxa, até encostar-se ao
lugar exato, bem entre as pernas dela. Senti seu corpo todo se retesar. Seus
olhos se arregalaram, ela engoliu em seco. Sorri.
— Uma vez... Você disse que se
importava... – comentei ao acaso.
Afastei-me,
olhando-a e rindo de orelha a orelha. Como é tola! Ficou ali, parada, a me
olhar. Dei alguns passos para trás, sentando-me na cadeira. Passei a língua nos
lábios, somente esperando, durante alguns segundos. Então a encarei. Seus olhos
faiscavam de desejo. Era tão fácil!
— Vem... Eu sei que você quer, gatinha.
Então vem. Vem saciar essa sua vontade, esse seu desejo insano...
E
ela veio. Um sorriso no rosto delicado. Ficou de joelhos, e veio, como uma
gata, até o meu encontro. Os olhos cravados nos meus. Com a faca, fui fazendo
cortes em minha própria calça, arrancando os pedaços de pano que se soltavam.
Logo, eu estava sem nada na parte debaixo. Com os olhos famintos, ela pediu
para que eu a deixasse desfrutar do que ela tanto queria. E eu deixei. Anos de
prática. O sorriso nos lábios, e então ela começou. Apertava, mordia, sugava,
sempre desejando mais e mais do meu corpo. Ela ficara presa durante semanas em
meu porão. E durante todo esse tempo eu a provoquei. Ela não ia aguentar. Não,
não poderia mais se segurar. E eu sabia disso. Eu tinha plena certeza disso.
Depois que você experimenta o veneno, você não consegue mais parar, precisa da
droga correndo em seu sangue para se sentir vivo. Eu era o seu veneno.
— Uma vez... Você me prometeu que eu
seria sua, e você seria minha... Não é, Gabriela? – minha voz saiu carregada de
sensualidade.
Senti
seus músculos se retesarem. Apertei seus cabelos, seu corpo contra o meu, para
que ela não parasse o que estava fazendo. Com a outra mão, acariciei seus
ombros, e após alguns minutos, ela estava entregue novamente. Peguei a faca e
comecei a passar a lâmina lentamente pelas suas costas nuas. Isso me excitava. Às
vezes abria filetes vermelhos na pele morena, e um sorriso se abria em meus
lábios.
— Uma vez você disse que entendia.
Entendia as minhas necessidades... Entendia que eu vendesse meu corpo...
Entendia que eu fosse louca... Não é? – seus músculos se retesaram e ela
subitamente parou.
Afastou-se,
amedrontada, e quando seus olhos se encontraram com os meus, ela se lembrou. Eu
pude ver naquele rostinho lindo o pavor, o terror do reconhecimento.
— Magna... – sua voz saiu em um
sussurro.
— Agora você se lembra, queridinha – aproximei-me,
colocando os cotovelos em cima dos joelhos. – Lembra-se da sua namorada, com
quem me traiu? – minha voz estava rouca de excitação.
Seus
olhos se arregalaram, o coração acelerou. Ela arrastou-se no chão com pressa,
tentando se afastar o máximo de mim. Encostou o corpo na parede fria de pedras,
seus olhos ainda cravados nos meus. A surpresa, o espanto, o terror, tudo
aquilo só alimentava o ódio que eu tinha daquela mulher. Engraçado, ela fora a
pessoa que eu mais amei nesse mundo, se é que eu fosse capaz de amar. Como
dizem, há uma fina linha entre o amor e o ódio, e pode-se dizer que entre a loucura
também.
— Por favor... Não! Eu não quero saber!
Não quero ouvir! – ela gritava, colocando as mãos nos ouvidos, com os olhos
fechados.
Levantei.
Peguei a faca. Aproximei-me lentamente dela, sensualmente, como uma serpente
pronta para dar o bote. Agarrei-lhe o braço com força, e agachei-me diante
dela. Olhou assustada para mim, a boca aberta, a respiração ofegante. Coloquei
seu braço entre minhas pernas, fazendo com que seus dedos sentissem meu sexo
latejante. Ela fechou os olhos. Sabia que comigo, não adiantava fugir. Era
melhor aceitar e fazer o que tinha que fazer. Ela só não sabia da melhor
parte...
— Sabe, você anda muito displicente com
seus afazeres... Camila soube fazer esse serviço melhor. Aliás, bem melhor... –
sorri com prazer. — E quando me lembro daquele corpo quente e sedento... –
mordisquei o lábio inferior.
Ela
fechou a mão, sem querer me tocar. Eu não ia deixar isso barato. Deslizei a
faca lentamente pelo seu braço, abrindo uma linha vermelha bem no meio, que
começava a escorrer. O coração acelerado, ela abriu a mão, fechou os olhos, e
virou o rosto. Levantei novamente, e ela não ousou me encarar. Andei até o extremo
do pequeno porão, e abri uma porta que havia ali. Um grito ecoou. Gabriela
abriu os olhos rapidamente, e quando viu o que ali havia, levantou-se e tentou
correr, mas a corrente a impediu, fazendo com que caísse no chão. Gemeu de dor,
mas não pela queda. Ah, não. A dor vinha de dentro. Das entranhas. Da alma.
— Não... Camila... Por favor... Solte-a!
Eu faço o que quiser... – gemeu, sem forças para se levantar.
— Eu te levei para dentro da minha casa.
Eu te dei comida, água, um lar. Roupas. Dinheiro – olhei bem para ela, antes de
amargamente continuar. – Amor.
— Por favor... Me perdoe... Só a deixe
ir... Sou eu quem você quer – ela sentou-se.
As
lágrimas escorriam grossas dos olhos caramelo. Se fosse há tempos, eu sentiria
pena, mas não agora. Não mais. Fiz uma careta, e andei até a outra sala. Camila
estava presa em uma cadeira, no meio da sala. Os olhos arregalados, as lágrimas
secas nas bochechas rosadas. Suja, imunda. Não era assim que Gabriela me
chamara? Não era assim que ela achava que eu era? Suja? Impura? Agora a
queridinha dela também era. Iguais. Éramos iguais. Aproximei-me, tocando seu
rosto delicado, os cabelos ruivos caindo-lhe por cima dos olhos verdes. Pobre
garota. Não fazia ideia do que ia lhe acontecer... Mas Gabriela sabia, ah se
sabia...
— Você lembra-se da última fez que você
me fodeu? Literalmente? – sorri maliciosamente, levantando a faca que ainda
tinha em mãos, para apreciar as gotas de sangue que ali havia.
— Por favor! Não faça isso! Ela não tem
nada a ver com isso aqui! Você tem raiva é de mim! Deixe-a ir! – ela gritava
desesperada.
— Eu me lembro. Você gemia loucamente,
cheia de desejo e tesão. E lembra onde isso aconteceu? – perguntei.
Passei
a faca lentamente pelo braço amarrado de Camila. Seus olhos se arregalaram, ela
tentou se mover, mas não podia. O desespero em seu rosto era evidente, e eu me
deliciava com aquilo. Via o sangue vermelho em sua pele branca, e mesmo sabendo
que aquele sangue não era seu, ela estava apavorada. E Gabriela também. Ela
tentou correr novamente, e caiu novamente no chão. Bateu com os punhos fechados
no chão, os olhos vermelhos, o choro entalado na garganta.
— Não... Por favor! Eu nunca quis lhe
machucar! Você sabe disso, me perdoa! – ela gritava, com as mãos no rosto.
— Isso aconteceu aqui, bem aqui, nesse
porão – sorri de canto. — E lembra o que você me disse? Lembra? “Me machuque. Vamos! Mais forte... Mais
forte...”.
Minha voz ficara
mais rouca e eu falei quase em um sussurro. Ao mesmo tempo, apertei a faca
contra pele leitosa da garota. O sangue começou a brotar e a escorrer,
vermelho. A menina soluçava, os olhos vermelhos, implorando misericórdia.
Gabriela gritou, debatendo-se contra a corrente que a prendia. Aquilo só me
fazia continuar a cortar. A faca deslizou pelo resto do braço, e lentamente fui
abrindo cortes e mais cortes, feridas e mais feridas, assim como Gabriela havia
feito comigo.
— Sabe... Se você fosse boa menina... Se
você tivesse feito tudo certo, isso não estaria acontecendo. É culpa sua.
— O que você quer que eu faça? Me diga!
Qualquer coisa para você parar de machucá-la! – havia pequenas bolhas de saliva
em sua boca vermelha, e as lágrimas desciam limpando o rosto já sujo da morena.
— Diga que me ama. Que eu fui a única em
sua vida, e que sempre vou ser – meus olhos negros brilharam, enquanto eu ainda
olhava dentro daquelas íris caramelo.
— Eu digo o que quiser... – ela baixou a
cabeça, e eu parei de cortar.
Esperou
alguns segundos, como se tentasse reunir forças o suficiente para fazer o que
tinha que fazer. Camila permaneceu quieta, chorosa, temerosa. Eu podia
ouvir-lhe o coração acelerado, temendo pela própria vida. Gabriela respirou
fundo. E quando me olhou novamente, eu vi aquela mulher calma e corajosa que
vira há pouco. Era a mulher por quem eu me apaixonara. A intensidade em seu
olhar me espantava, fascinava.
— Eu amo você, Magna. Você é, sempre
foi, e sempre será a única mulher que eu amarei em toda a minha vida. Perdoe-me
por toda a dor que eu lhe causei, nunca quis que isso acontecesse. Perdoe-me,
por fazer meu trabalho e trair a sua confiança. Não sou digna de perdão, sei
disso, mas ainda assim peço-lhe que me perdoe.
O
sorriso que se formou em meu rosto era de puro prazer. Exatamente tudo o que eu
queria ouvir. Em um movimento brusco, eu estava de frente para Camila.
Vislumbrei o olhar nas íris verdes, o olhar de quem sabe que sua hora chegou. O
olhar da entrega. E com um rápido golpe, a faca desceu com toda a força que eu
possuía, bem no peito de Camila. Seu corpo tombou um pouco pra frente, enquanto
o sangue jorrava, espalhando-se pelo chão e pelos meus braços. Não podia conter
a satisfação, a felicidade que dançava em meu coração. O grito de Gabriela, o
grito da dor, do desespero, encheu meus ouvidos. Virei para encará-la.
— Você prometeu!!! – o grito saiu
gutural da boca que tremia.
— Você também me prometeu.
O sorriso em meu
rosto era cruel. E quem disse que eu me importava? Quem se importou comigo? Eu
apenas atendi-lhe o último desejo. São apenas negócios, nada é pessoal, lembra?
Meu pai estava quase certo. Promessas
foram feitas para serem quebradas. Sim, estou de total acordo. Mas as
mulheres? Ah meu querido, as mulheres não foram feitas para serem abusadas, e
sim, obedecidas. E quando alguém for insolente demais a ponto de querer
enfrentar uma de nós, tenha cuidado, e jamais, jamais acredite nas promessas de
um monstro.
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