Pensa errado, sabe que é errado, mas quer fazer.
A vontade subindo pelo corpo dando coçeira.
Olha para um lado, olha para o outro,
E pensando que ninguém está olhando,
Pede segredo: shhhhh!
Dessa forma ninguém vê, ninguém sabe.
Se ninguém sabe, nada aconteceu.
Pobre menina, mal sabe ela
Que seu segredo mal guardado
Fez ferida no coração seu.
Imagens Que Contam Histórias 27
(*essa é uma foto reprodução de um quadro pintado pelo Bueno*)
Essa história não é sobre o amor, ou sobre como duas pessoas apaixonadas trocam carícias e beijos ardentes na noite abençoada de Paris. Essa história não é sobre um casal que se viu pela primeira vez, e teve seus corações arrebatados pelo cupido da paixão. Essa história também não é sobre amantes antigos que se reencontram após anos e anos de separação, e se reconectam com um beijo ardente cheio de saudade. Não... Apesar de o foco ser esses dois enamorados em primeiro plano, cheios de amor para dar, embaixo de um céu estrelado e chuvoso de Paris, essa história é sobre aquela garota. É, aquela ali atrás óh, que você mal vê, mal enxerga. Essa história é sobre mim, e eu sou aquela garota. Pois pra mim não há esse amor fácil, não há essa magia em Paris e nem a chuva com gosto de beijo. Pra mim, as ruas estão cheias de poças e a chuva gela meus ossos e eu mal posso me esconder dentro do guarda-chuva. Para mim, as luzes de Paris servem apenas como iluminação para que eu veja o caminho e não seja assaltada no escuro. Pra mim, Paris não significa nada, apenas uma cidade que me acolheu para que eu tivesse onde morar. Eu não sou a escolhida, eu nunca fui a escolhida, e saber disso dói. Mas a chuva me protege e eu finjo que meu pranto é só reflexo das gotas finas de novembro. Para mim, não há magia, não há amor, não há ninguém especial. Aliás, houveram... Eu é que não fui especial para ninguém. Não a ponto de ser escolhida para uma história de romance como casal principal se beijando em Paris. Não... E se fosse um conto de fadas, poderia dizer que a história deles acaba aqui, com um final feliz e uma vida inteira de casal pela frente, aprendendo a lidar um com o outro. Para mim, a vida não tem fim. Minha sina não acaba aqui, não sei se feliz ou infelizmente. Para mim eu tenho que aprender a lidar comigo mesma e com minha solidão pelo resto da vida. E vamos andando, apertando o passo, porque já é tarde e vou perder o ônibus.
Contado por
Laris Neal
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Imagens Que Contam Histórias 26
Você
é única. Você é especial. Você é você, e ninguém mais. Você, e só você, tem a
chave para a minha alma. Você me tocou, e me obrigou a olhar em seus olhos.
Obrigou-me a ver a sua alma refletida nas íris cor de chocolate. Seus dedos
queimaram-me o rosto, como um tapa levado e jamais esquecido. A vermelhidão
sumiu com o tempo, mas a ardência permaneceu. Você me transformou. Antigamente,
não havia nada, tudo estava em formação. Você é teimosa. Você insistiu em
cruzar meu caminho antes do tempo. E dessa forma, você me moldou. Seus dedos,
ao me tocarem, misturaram-se em mim. O chocolate e o leite sendo misturados e
batidos dentro de um mesmo recipiente. Exatamente, batidos. Fundidos. Você me
fundiu em você. Ou melhor, você se fundiu em mim. Nada havia aqui antes de
você. Mas seus olhos... Nunca houve conexão tão instantânea, seus olhos se
conectaram aos meus, nossas almas se reconheceram, e você plantou morada em meu
coração. A garota se transformou. O caminho foi traçado. E o nosso destino,
profetizado. Em minhas veias já não havia sangue: apenas tinta. Tinta negra
escorrendo em abundância, implorando para ser usada, abusada, rabiscada. Como
negar o que foi me dado com tanta veemência? E então eu escrevi. Escrevi, e
escrevi e escrevi. Páginas e páginas de rabiscos, palavras, pinturas, desenhos,
escrituras. Seus olhos me ditavam o que escrever. Seu coração em sintonia com
meu batimento cardíaco. Fiz-me costureira e vesti-me com meu escrito. E então,
como em um passe de mágica, seus olhos ficaram secos. Seus cabelos cor de fogo
perderam a cor, suas folhas murcharam. E a conexão foi desfeita. Perdida,
continuei tentando reproduzir o nosso sentimento do que eu me lembrava, mas com
o tempo tudo foi se perdendo no tempo e espaço, e a falta de memória me
consumia dia após dia. Cansada, desesperada, enraivecida, rasguei todos os
rascunhos de dias melhores que eu guardara para lhe mostrar. Joguei-os no lixo.
E na falta do papel, deixei que a pena penetrasse em minha carne e escrevesse
em minha pele aquilo que me faltava. Como se assim eu pudesse repor a parte que
me faltava: você. A tinta escorria pelo chão, manchando tudo de negro,
exatamente como minha alma. Exatamente como meu caminho. A sala escura. Sem
luz. Eu esperei, por tanto tempo esperei... E um dia, você voltou. Seus olhos
se conectaram aos meus, trazendo-me vida. Fogo. Você ardia e irradiava luz pela
sala. A tinta em meu corpo reagindo ao seu toque divino. Trazendo-me à vida.
Mas algo faltava... Faltava... Olhei dentro de seus olhos, das íris cor de
chocolate, procurando desesperadamente pela tua alma, mas não encontrei. Não
estava ali. Você não estava ali. Seus olhos, ligados aos meus, não me deixavam
partir, mas você também não desejara ficar. Sem tua alma, a conexão jamais se
completaria. Eu jamais escreveria. E nós jamais nos amaríamos. Foi então que eu
entendi: você é minha musa. Você, somente você. É sempre você. Sempre será
você. E me rasga o peito, pois você não está aqui. E me rasga a memória, porque
você não deixou que eu lhe visse. E me rasga a pele, pois a tinta começa a
secar no chão fresco, e logo não haverá mais a fonte de onde ela possa jorrar.
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Laris Neal
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Você nasceu para voar!
Vem aqui, pequena, vamos tomar um café. Senta aqui na varanda comigo, relaxa. Sente o vento batendo no rosto, observa os pássaros na pequena jabuticabeira que eu mal consigo cuidar. Que foi, pequena? Você olha para mim como se eu fosse um alienígena, e talvez eu seja. Não faz essa cara, não faz beicinho, eu não suporto lhe ver chorar. Chega mais, coloca a cabeça no meu ombro, assim. Fica triste não que tudo dá-se um jeito. Você me pergunta com esses seus olhos castanhos por quê eu te chamo de pequena. Você olha para mim como se implorasse para que eu parasse de te escrever. Desculpa, pequena, isso não vai acontecer. Sabe... Sabe por que lhe chamo de pequena? Porque eu cuido de você. Não importa o que aconteça, eu vou cuidar de você. És minha pequena, ainda que do tamanho do universo e com o brilho das estrelas. Você é real, pequena. Você não é aquela que eu almejo, mas que nunca irá olhar pra mim. Você não é intocável. Eu já toquei, já senti, já experimentei. Você é minha, pequena, mas eu não sou sua. Não, não se culpe, por favor. São fatos aleatórios da vida, do universo, de Deus... Vai saber. Mas o fato é que poderia ser, mas não o é. Por isso, pequena, eu escrevo.
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Laris Neal
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pequena
Mudança
Olho as caixas de papelão separadas a minha frente. Está na hora de começar! Com um suspiro, levanto-me do chão e dou uma olhada geral na casa bagunçada. Minhas coisas estão espalhadas por todos os cantos... Eu nunca fui muito bem organizada, não é mesmo? Começo recolhendo minhas roupas, mas não as dobro, jogo todas emboladas em uma caixa vazia. Não quero perder tempo com isso. Vou juntando os pares de sapatos, um em cada canto, deixando-os todos juntos, colocando-os em sacolas e depois em outra caixa. Passo na cozinha e pego minha coleção de chícaras, deixando apenas uma, para tomar café contigo casualmente. Coloco-as todas embrulhadas em jornal dentro de outra caixa, assim como as tampas e frigideiras que eu tenho. Vou ao banheiro, pego minha escova de dentes, meus remédios de ansiedade e pente. Não há muita coisa, nunca fui garota de cremes. Volto à sala, recolho os bibelôs, os CDs que estavam espalhados pelo rack, as caixas de série que tanto te incomodavam. Recolho meus livros... Esses são tantos! Precisarei de mais caixas... Pelo menos junto-os no canto para que não atrapalhe, prometo voltar para buscá-los. Separo cinco que acho que vai gostar para deixar contigo. Finalmente volto ao quarto. Paro, olho a cama arrumada, sorrio com um suspiro. Olho o porta-retratos na mesinha de cabeceira.
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Laris Neal
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