Capítulo 32 – Eu
Estarei Lá Por Você
Priscila
continuava sentada no mesmo lugar por três horas seguidas, não comia nem bebia
nada. Tinha o olhar parado, encarando o nada. Marina e Carla já tinham tentado
de tudo para tirá-la daquele torpor em que se encontrava, mas fora tudo em vão.
Luciana tinha estado ali, mas precisara ir pra casa. Prometera voltar em breve.
Algumas
enfermeiras passavam por elas, preocupadas com um paciente, e só então ela levantava
os olhos, esperando para que fosse alguma notícia. Mas nunca era.
Clarice ainda estava naquela
sala de cirurgia, sendo operada. O médico dissera que era urgente, era
literalmente um caso de vida ou morte. E tudo por culpa dela.
- Pri, você não quer ir pra
casa? Você precisa descansar. – Carla disse sentando-se ao lado da amiga.
- Não. Se vocês quiserem ir,
podem ir. Eu fico aqui. – foi a única resposta dela. Marina e Carla se entreolharam.
- Nós ficamos aqui com você. –
Marina sentou-se do outro lado de Priscila.
Cada uma
delas segurando na mão da amiga, tentando trazer algum tipo de conforto naquele
momento. Clarice era uma pessoa muito importante para as três, alguém especial
e que agora estava passando por um momento muito delicado.
As horas
foram passando cada vez mais lentamente, mas Priscila continuava acordada,
esperando. Não poderia dormir de maneira alguma. Levantou-se dos bancos e foi
até uma mesinha onde tinham umas garrafas e bolachas. O bilhetinho na primeira
garrafa a fez sorrir tristemente, ao ler:
- Café. – pegou um copinho de
plástico e colocou um pouco do líquido dentro.
Era melhor
ficar acordada caso acontecesse alguma coisa. Andou de volta ao banco e
sentou-se, enquanto deixava sua mente vagar. Nunca pensara que pudesse ficar
naquele estado, onde nada mais importava. Era a primeira vez que tinha aquela
sensação de medo, medo de perder alguém. Uma parte dela mesma. De repente, já
não importava mais o que iam pensar sobre ela, quem ela era para estar naquele
estado, sendo que não era da família. Agora, para ela, só importava saber se
Clarice ficaria bem.
- Vocês que estão com a
senhorita Clarice? – um médico apareceu na sala de espera, com uma prancheta na
mão. Priscila levantou-se rapidamente.
- Sim. Como ela está? –
perguntou ansiosamente.
- Vocês são da família?
- Eu sou a namorada dela. –
ele olhou-a de cima a baixo, e quando ia retrucar que precisava da família para
dar a notícia, Carla suplicou:
- Por favor, nos diga como ela
está. Estamos aqui há horas. Imploro ao senhor que diga a ela como a Clarice
está.
Ele deu
mais uma olhada na garota a sua frente: a roupa toda amarrotada, os olhos sem
brilho, inchados e vermelhos de tanto chorar. Uma cena de dar pena.
- Bom, ela está bem. A
cirurgia foi um sucesso, conseguimos conter a hemorragia e ela quebrou algumas
costelas além do braço luxado. Graças a Deus não foi tão ruim.
Luciana,
Carla e Marina suspiraram de alívio, mas alguma coisa no olhar do médico
deixava Priscila aflita:
- Tem mais alguma coisa?
- Infelizmente sim. Quando ela
caiu da moto houve uma pancada muito forte na cabeça, isso a deixou
inconsciente. Ela está em coma e não temos previsão de quando poderá acordar.
Depois de
tais palavras, Priscila sentiu tudo rodar, sua visão ficar escura e turva.
- Priscila, você está bem? –
Carla segurou-a nos braços quando ela caiu desmaiada.
- Você tem que se alimentar,
ainda mais nesse estado. – disse Luciana, oferecendo-lhe uma bolacha de água e
sal.
Priscila
olhou ao redor e viu Carla e Marina olhando-a preocupadas. Por um segundo, não
se lembrava do que havia acontecido.
- Que horas são?
- Já são dez horas da noite. –
respondeu Marina, enquanto Priscila levantava-se colocando as mãos na cabeça,
que latejava sem parar.
Olhou em
volta e todo o lugar era branco, com pessoas vestidas de branco passando por
elas. As lembranças voltaram como uma torrente sem controle: hospital, Clarice,
acidente, moto, caminhão, coma...
Ela caiu
imediatamente em um choro convulsivo, soluçando sem parar.
- Calma, amiga, fica calma. –
Carla abraçou-a fortemente. Nunca vira a amiga em um estado tão desesperador.
- Ela vai ficar bem, vai
acordar logo. – dizia Marina, tentando ajudar.
Mas
Priscila já não a ouvia mais, não as via mais. Como que Clarice podia estar em
coma? Por quanto tempo? Ela precisava vê-la, o mais rápido possível.
- Eu tenho que vê-la! – ela
disse de repente, segurando no braço de Carla.
- Espera aí que eu vou chamar
o médico. – ela saiu andando pelo corredor atrás do médico e voltou alguns
minutos depois. Priscila levantou se dirigindo a ele:
- Por favor, doutor. Posso
vê-la? – ele voltou a olhá-la. Na verdade, não poderia deixá-la entrar, mas aquela
menina realmente dava pena.
- Tudo bem, eu deixo você
entrar por algumas horas, se você prometer que irá se cuidar. Que irá para casa
descansar e se alimentar.
- Okay, eu faço qualquer
coisa. – ele assentiu com a cabeça e pediu que ela o seguisse.
Priscila
andou atrás dele por um longo corredor, onde enfermeiras passavam por eles. Ia
olhando tudo, mas sem enxergar realmente.
Chegou à
frente de uma porta. Ele abriu-a e deixou que ela entrasse. Priscila entrou no
quarto um pouco escuro, olhando atentamente. As janelas estavam fechadas e uma
luz fraca vinha do abajur ao lado da cama. E nesta estava deitada Clarice.
Tinha a pele mais pálida que o normal, os cabelos negros e vermelhos dela
entravam mais em contraste com o corpo. A boca estava pálida e os olhos
fechados. Respiração regular.
Uma enorme tristeza
apoderou-se dela enquanto andava até a cama. Uma lágrima escorreu pelo seu
rosto, enquanto segurava a mão de Clarice. Aquela cena doía fundo em seu
coração, nunca pensara ver a amada daquela maneira. Tão sem... Vida.
Só de
pensar naquela possibilidade um desespero assolava sua alma.
- Clarice... – ela tocou de
leve o rosto dela.
- Eu sinto muito. – lágrimas
salgadas de arrependimento desciam pelo seu rosto sem dar trégua.
E ela
continuou naquele monólogo consigo mesma, como se Clarice pudesse realmente
ouvi-la.
- Isso tudo é minha culpa. Se
eu tivesse... Ai, se eu não tivesse perdido tanto tempo, se eu não tivesse sido
tão covarde, nada disso teria acontecido.
Deu um
breve beijo nos lábios dela, esperando que Clarice pudesse corresponder. Pura
ilusão, ela sabia. Num impulso abraçou a outra fortemente, sem parar de chorar,
murmurando:
- Me perdoe... Me perdoe...
Por favor, me perdoe!
Aos poucos
as lágrimas foram cessando e ela foi se acalmando. Olhava para ela ali naquela
cama, inconsciente, e sentia-se impotente.
- Se eu pudesse... Trocava de
lugar com você. Eu daria a minha vida por você. É o mínimo que eu poderia
fazer, depois de tudo o que você fez para mim.
As horas
foram passando, Priscila sentou-se numa poltrona ao lado da cama, olhando o
tempo todo Clarice, pensando, pensando, pensando... Adormeceu.
- Acorda Pri. Você prometeu se
cuidar precisa ir para casa.
Ela olhou
em volta e Clarice ainda estava ali, dormindo. Levantou-se dizendo:
- Tudo bem, eu volto depois. –
Abraçou as amigas agradecendo-as por estarem ali com ela e foi para casa, de
táxi.
Entrou no
apartamento e a primeira coisa que fez ao deitar no sofá foi desmaiar de
cansaço. Acordou no outro dia na hora do almoço, levantou-se, tomou um banho,
trocou de roupa. Foi para a cozinha e comeu um pedaço de pão com leite e café e
sem razões mais para ficar ali, voltou para o hospital.
Encontrou
Carla e Marina encostadas uma na outra na poltrona, adormecidas, e Luciana em
pé em frente á cama.
- Bom dia. – Priscila
respondeu com um aceno de cabeça.
- Como ela está?
- Na mesma que ontem.
- Posso ficar com ela agora?
- Claro. – Luciana acordou as
duas, e as três foram para a casa, para descansar.
Priscila
ficou sozinha novamente com ela. Sorriu e andou até o lado da cama, beijando
sua testa e sussurrando:
- Bom dia amor, eu voltei para
ficar com você.
Não sabia
como, mas sentia que deveria ficar ali, ao lado dela. Não queria sair dali com
medo de que alguma coisa ruim acontecesse.
- Há tanta coisa que eu queria
te dizer... Como eu te amo. Como você é importante para mim. Como você é linda.
Inevitavelmente
as lágrimas caíram dos seus olhos.
- Eu nunca mais sairei do seu
lado.
“Eu acho que desta
vez você está realmente partindo
Eu ouvi sua mochila dizer adeus
E enquanto meu coração partido cai sangrando
Você diz que o amor verdadeiro é suicídio
Você diz que tem chorado mil rios
E agora você está nadando para a praia.
Você me deixou afogando em minhas lágrimas,
E nunca mais irá me salvar.”
Os dias
foram passando e Priscila só saía do lado de Clarice para ir para casa tomar um
banho, comer e descansar, mas sempre voltava. As amigas dela oravam a Deus para
que tirassem Clarice daquela situação com vida, e para que Priscila não se perdesse.
Ela conversava com a amada todo dia, o tempo todo, como se ela ouvisse e
entendesse.
A mãe de
Priscila tentara persuadi-la a sair do hospital, mas ela foi definitiva em sua
decisão. Se a mão quisesse ficar com ela, que ficasse. Se não, podia ir embora
sozinha. Alice vinha sempre ver como elas estavam, trazia comida para Priscila.
Até o médico ficou compadecido com a situação, deixando que ela ficasse no
quarto o tempo que quisesse. Todos oravam para que tudo desse certo no final.
“Farei uma oração a
Deus
Para você me dar mais uma chance garota!”
E era só nisso que Priscila
pensava, uma oração para que Deus desse mais uma chance para ela. Sabia que a
tinha desperdiçado, mas orava para que se houvesse um Deus, que ele atendesse
ao seu pedido desesperado.
“Eu estarei lá por
você
Estas cinco palavras que eu juro para você
Quando você respira eu quero ser o ar para você
Eu estarei lá por você
Eu viveria e morreria por você
Roubaria o sol do céu para você
Palavras não podem dizer o que um amor pode fazer
Eu estarei lá por você.”
Os dias
transformaram-se em meses. E Priscila continuava ao lado de Clarice, dia após
dia, semana após semana, sem desistir. Agora mais do que nunca. Segurava em seu
colar como se ele fosse sua ponte de salvação, seu porto seguro. Acreditava que
elas ainda iriam ter muita vida pela frente. Precisava acreditar para
permanecer viva.
E agora chegou
à hora de nos perguntarmos: o amor de Priscila é mesmo verdadeiro? Bem, depois
disso tudo, se isso não for amor, não sei o que pode ser. O ser humano comete
erros o tempo todo, uns aprendem e outros precisam errar de novo para
aprenderem. E às vezes, nem assim! Precisa de algo mais forte para cair na
realidade. E Priscila caiu. Não se importou sobre o que falavam ou achavam
dela, contanto que Clarice estivesse bem. Passou meses da sua vida enfiada
naquele hospital, naquele quarto, monologando. Muitas vezes achou que estivesse
enlouquecendo, outras pessoas achavam quando a viam falando sozinha. Talvez
estivesse mesmo, enlouquecendo de amor. Por Amor.
“Eu sei que você sabe
que nós temos passado bons momentos
Agora eles têm seus próprios caminhos a seguir
Eu posso te prometer o amanhã
Mas eu não posso comprar de volta o ontem
E baby, você sabe que minhas mãos estão sujas
Mas eu queria ser seu namorado
Eu serei a água quando você ficar com sede
Quando você ficar bêbada, eu serei o vinho”
Priscila dava
ao destino uma chance de lutar. Entre sentar-se ou dançar, ela escolheu dançar.
Ela escolheu não desistir, ela escolheu Clarice.
Perdoar. Era só
isso que ela queria, que a perdoassem por tudo o que fizera de errado. A
maioria das pessoas não perdoaria.
O amor, quando
é verdadeiro, quando é eterno, dura além da vida. Além das compreensões
humanas. Somente uma dúvida rondava o coração de Priscila: o amor delas era
realmente verdadeiro? Ela esperava que sim.
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