Capítulo 31 – Nunca
É Tarde Demais
Não sei
quanto tempo fiquei ali, nos braços daquela desconhecida, enquanto chorava
desoladamente. Já anoitecia quando eu levantei dando-me conta que já havia
estado ali tempo demais.
- Obrigada moça. A senhora é
muito gentil. – sorri agradecendo.
- Imagina, eu vi que você não
estava bem, não custa nada ajudar. Você mora aqui por perto?
- Sim, ali naquela rua.
- Então eu te acompanho até em
casa. Ah, falar nisso meu nome é Luciana.
- Prazer, Clarice. – nos
levantamos, eu peguei meu violão e fomos andando, enquanto o cachorro ia
cheirando tudo pelo caminho, nós íamos conversando amenidades. Foi bom porque
esfriei um pouco a cabeça, que doía sem parar.
Chegamos à
minha casa e eu a convidei para entrar, precisava mesmo de alguém para
conversar, senão ia passar a noite toda chorando.
- Não vai te incomodar? E o
cachorro? – ela perguntou indecisa.
- Claro que não! Fique só um
pouquinho, depois você vai pra casa, tenho certeza que ele não vai fazer muita
bagunça...
- Tudo bem. – nós entramos em
casa e eu tranquei a porta.
Coloquei
meu violão no quarto e voltei para a sala. Luciana já tinha soltado a coleira
do cachorro e ele deitou-se no chão, em cima do tapete.
- Você gosta de café? –
perguntei indo para a cozinha.
Luciana me
seguiu respondendo que sim. Comecei a preparar o café enquanto minha cabeça
fervilhava. Eu procurava, vasculhava onde estava o meu erro, porque eu nunca
conseguia acertar com Priscila. Nada dava certo! Não era possível, o que eu
poderia fazer para...
- Está pensando nela? –
Luciana perguntou, sentando-se à mesa.
- É... No que eu fiz de
errado. – suspirei. Enquanto o café não ficava pronto, sentei-me ao seu lado.
- Você não fez nada de errado.
Pelo que eu pude entender, a errada sempre foi ela. Ela não merece o seu amor.
- Eu sei. Mas... – como
explicar para ela tudo o que eu sentia?
- Não vê? Você merece muito
carinho, amor... E não lágrimas, não mais sofrimentos... – ela passou as costas
da mão em meu rosto, acariciando-me.
Fechei os
olhos, era tão bom... Fazia tempo que eu não recebia um carinho. De repente
abri os olhos e levantei-me, meio sem jeito.
- Eu... Não faça isso.
- Por quê? – ela perguntou
confusa.
- Eu não quero te enganar. Eu
amo a Priscila, e estou muito confusa, chateada e carente, não quero me
aproveitar de você.
- Você não está se
aproveitando de mim. Eu sei de tudo isso. Me deixa cuidar de você? Eu prometo
não fazer perguntas nem tentar nada, e se você quiser desabafar eu irei
escutar.
Olhei-a
sorrindo, só podia ser um anjo que tinha entrado na minha vida. Abracei-a e
algumas lágrimas desceram de meus olhos.
- Tudo bem. Agora me deixa
acabar de fazer o café. – depois de pronto, peguei as nossas xícaras e fomos
para a sala.
O cachorro,
que eu descobri que se chamava Sam, continuava deitado ali, provavelmente
estava cansado depois de ficar tanto tempo naquela praça. Sentamos no sofá e
ela falou:
- Então, quer conversar?
- Eu gostaria. – ela ficou em
silêncio e depois de algum tempo, eu comecei a falar.
- Sabe... A Priscila para mim
é tudo nessa vida. Eu a amo demais... Apesar de tudo o que já aconteceu, de
todos, do que ela já disse... Eu sei que posso estar fazendo papel de idiota,
que mereço alguém melhor, todo mundo me diz isso. Mas quem eu amo é ela! Eu
tenho certeza que se ela me pedisse para voltar, eu voltaria...
Tomei um
gole de café e Luciana também, depois ela me disse:
- Tudo bem eu te entendo, sei
como é, já passei por isso. Só não quero te ver sofrer mais, pelo que deu a
entender, ela não quer mais essa vida, não te quer mais na vida dela...
Conversamos
mais um pouco e Luciana acabou dormindo em casa. Não aconteceu nada, ainda mais
no estado que eu tava. Na verdade, ela dormiu, pois eu não consegui pregar os
olhos. Chorava sem parar, olhando para o teto, olhando ao redor e lembrando-me
dela...
Como não me
sentir triste, como não chorar? Não é fácil esquecer as pessoas, muito menos as
que foram muito importantes na sua vida. Priscila tentou me esquecer, e olha só
a confusão que ela arrumou? Mentindo para si mesma, para as pessoas... Nunca
conseguiu ser feliz de novo.
Passou-se
um ano, e eu nunca mais tive notícias da Priscila. Vivia como podia, acabei
minha faculdade e trabalhava de bico em uma loja, estava fazendo estágio também
para começar a carreira de advogada, e tocava o violão só para mim, ou então
para Luciana. Ela vivia sempre na minha casa, virou uma grande amiga minha, aliás,
depois que eu a apresentei á Carla foi amizade a primeira vista. As três,
Marina, Carla e Luciana não saiam de casa, sempre tentando me animar,
conversando e me fazendo sair de casa.
Não tive
mais namoradas depois, eu não conseguia. Eu enfrentei muitas pessoas por causa
disso, fui chamada de tudo quanto é coisa por não querer outra pessoa ao meu
lado. Falavam que eu era burra por viver com um fantasma em casa, mas eu já não
ligava mais. E eu não desistia dela sabe o por quê? Porque eu já tinha tentado
e sabia que não conseguia, eu sabia que se dissesse que a tinha esquecido,
estaria mentindo para mim mesma, enganando-me, vivendo uma verdadeira mentira.
Eu preferia então viver uma ilusão, de que nos encontraríamos de novo.
E agora
aqui estou eu, jogada na cama, sem parar de chorar, completamente triste
enquanto a música toca no rádio. Ela faz uma enorme falta para mim, é como se
um pedaço meu estivesse faltando, algo insubstituível no funcionamento do meu
corpo. Nunca a esqueci, e não quero esquecer. Não sei, parece que as pessoas
gostam de deixar as situações mais complicadas ainda, quando o outro lado vem
pedindo perdão, ninguém quer perdoar. Batem o pé e na tentativa de mostrar o
erro ao outro, erra também. E ficam nessa dança de ver quem agüenta mais e na
verdade, todos perdem.
Por isso que eu acho que nunca
é tarde demais para se amar, para dar uma nova chance, para perdoar.
O telefone
toca e como eu estou tão absorta em minha tristeza, nem olhei no visor para ver
quem é. Atendo o celular com uma voz pastosa.
- Alô?
- Boa tarde. – minha
respiração fica mais rápida e minha cabeça começa a girar. Não pode ser
possível... Essa voz...
- Não! Não pode ser... Você? –
pergunto confusa, sentando-me na cama.
- Eu... Preciso conversar.
Preciso me desculpar. Preciso... Ver você. – Sim, não é ilusão.
É realmente
Priscila no telefone.
- Mas... Assim, de repente...
Depois desse tempo todo?
- Eu sei, você deve estar
furiosa comigo. Entendo se não quiser me ver, eu mereço. Mas só te digo uma
coisa: apesar desse tempo todo, eu nunca desisti. Acho que por sua causa, mesmo
sabendo que você não me perdoaria, eu nunca desisti.
Começo a
pensar no que ela disse. Tínhamos muita coisa para conversar. Eu... Não quero
cometer os mesmos erros que as outras pessoas, de andar em círculos sem chegar a
lugar algum.
- Onde você está? – eu
pergunto e ao informar-me o local, apenas digo que estou chegando e desligo o
telefone.
Fico parada
alguns segundos com o celular na mão, sem saber o que fazer. Ainda estou meio
boba, não é possível, parece que estou sonhando... Mas não estou.
Troco de
roupa rapidamente. Passo um pente nos cabelos e lavo o rosto no banheiro. Abro
a porta do quarto com um enorme sorriso no rosto. Quando passo pela sala,
Marina, Carla e Luciana olham para mim espantadas. Meu sorriso só aumenta a
cada expressão de estranhamento. Carla é a única que entende na hora.
- Não acredito! – ela vem
correndo e abraça-me.
- Sim! Parece impossível, mas
não é.
- Quando foi?
- Agora mesmo, pediu para
conversarmos. – olho alegremente para a minha amiga, a minha frente, que sorri
também.
- Eu sei que você não deveria
ir, que devia esquecê-la, mas eu sei o quanto você a ama, e quero te ver feliz.
– dou um abraço apertado nela e Carla finaliza com um:
- Boa sorte.
Despeço-me
das meninas com um sorriso e um “depois eu explico” e saio logo de casa. Subo
na minha moto e arranco rua a fora, passando entre os carros. O vento batendo
em meu rosto só aumenta a minha sensação de felicidade, sinto-me leve, como há
muito tempo não sentia. Ela tinha muito que me falar pedir desculpas, eu sei de
tudo isso, muitos vão discordar do que eu faço agora, mas a única coisa que eu
posso falar que é a mais importante que resume todos os meus atos é: Eu amo a
Priscila. E é amor de verdade.
Quando
estou quase perto da praça, uma quadra antes, já a vejo sentada em um dos
bancos, sorrindo olhando para a rua. Meu coração começa a bater mais acelerado
e meu sorriso aumenta. Seus olhos encontram os meus e quando eu vou atravessar
a rua com a moto, um caminhão passa no vermelho e cruza comigo. Sinto uma
batida forte, minha cabeça latejando, luzes, gritos, buzinas...
Acho que
estou caída no chão, não sinto minhas pernas, e minha cabeça dói. Coloco a mão
no lugar e percebo que tem muito sangue ao meu redor. Não sei o que está acontecendo,
não consigo ouvir mais quase nada... Sirenes ao longe...
- Não!!! Clarice!! – o grito
desesperado de Priscila chamando-me é a única coisa que eu escuto e a imagem
dela agachando-se ao meu lado é a única coisa que eu vejo antes de fechar os
olhos. Não consigo mais pensar, estou cansada... Fecho os olhos.
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