Capítulo 1 – Amargas Lembranças
“- Chega! Vá embora, eu já mandei!
- Mas, amor...
- Eu não sou e nunca serei seu amor. – sua voz estava fria.
- Não fale assim, sei que só está confusa, nós podemos...
- Não existe nós. Existe eu, e você, duas pessoas separadas. Eu não estou confusa. – fuzilou a outra com o olhar.
- Me desculpe. Eu só... Eu não entendo... – as lágrimas caiam copiosamente.
- E nunca entenderá. Contos de fadas não existem você tem visto muitos filmes românticos ultimamente. Isto não é o Moulin Rouge e eu não sou a Satine.
- Mas eu tenho certeza que...
- Eu sou uma puta! É isso o que eu sou! Não uma maldita cortesã que se apaixona pelo pobre escritor! Aceite o fato de uma vez! Eu não te amo, nunca amei e nunca amarei!”
Uma lágrima escorreu dos seus olhos verdes esmeralda, deixando um rastro úmido em seu rosto, depositando-se em seus lábios cor escarlate, por causa do batom recem-passado. Margaret tratou de enxugar aquele rastro de lembrança; encarou seu reflexo no espelho, seus olhos que diziam tantas coisas, mas que ninguém poderia decifrar, exceto uma pessoa. E ela fazia de tudo para que essa pessoa, acima de todos, nunca soubesse da verdade.
Apertou o corpete vermelho na cintura, amarrou as botas pretas de salto alto, ajeitou o cabelo comprido em cachos perfeitamente avermelhados e penteados. Olhou no espelho novamente, com um meio sorriso de satisfação no rosto. Não, não tinha ódio da sua profissão, aliás, amava-a. Seu descontentamento era por outro motivo. Mas ainda assim, toda vez que colocava roupas como aquela, tinha que trocar de personalidade, como uma atriz amadora.
Poderosa. Era como se sentia, era como era. Nunca se renderia a ninguém, nunca se submeteria a ninguém. Vestiu o sobretudo negro por cima da roupa provocante, e saiu de casa. Subiu em cima da moto que ganhara com o dinheiro do seu sustento, nada digno conforme a sociedade, mas a vida era dela. Chegou à boate que sentia como sua segunda casa, parou a moto no estacionamento e entrou. Sentiu o ar habitual e sorriu, realmente, ali era o seu lugar. Logo ali estaria cheio de pessoas, estranhos com desejos e libidos e fantasias, das mais simples até as mais esquisitas. Não importava qual fosse, ela as tornava realidade em um piscar de olhos.
- Minha amada! Está atrasada, achei que não viesse hoje! – Paulina exclamou, vindo de encontro à Margaret.
- Eu sei que estou atrasada, mas não deixaria de vir. – sorriu maliciosamente, abraçando Paulina.
- Ainda bem! Eu já me troquei, como estou? – ela deu uma volta para se mostrar.
- Linda! E gostosa! Nem parece aquele homem magrela que eu conheço! – ela deu uma risada alta, enquanto Paulina lhe dava um tapa no braço.
- Não seja chata! É por isso que gosto de me travestir, esse é o ponto. – ela lhe deu uma piscadela. – Bem, tenho que ir, nos vemos no palco. – e saiu apressada.
Margaret andou até os bastidores, encontrando com vários conhecidos e cumprimentando todos, com um sorriso no rosto. Aquela noite, faria um dos seus melhores shows, e tinha certeza que seus fãs iriam ao delírio. Um cara alto, com um terno preto e bem arrumado, cabelo arrepiado, parou na meio do caminho.
- Está atrasada. – fez cara de poucos amigos.
- Mas eu estou aqui, não estou?
- Ok, dessa vez passa, mas tenha mais pontualidade. – Peter lançou-lhe um sorriso paternal e continuou seu caminho.
Ele era o dono do lugar, e Margaret era a sua estrela de ouro, ninguém podia tocá-la. E ela adorava esse lugar de destaque. Entrou na sua sala, já consciente da música que dançaria, e pediu para que sua assistente estivesse pronta, pois logo logo iriam começar. Ela fazia um número de abertura e o último número, assim, o lugar estava sempre cheio. Deu uma última olhada no espelho, checando se estava tudo no lugar, e então, encaminhou-se para o palco.
As luzes se apagaram momentaneamente, e todos na platéia aplaudiam freneticamente. Uma luz branca se acendeu no palco, iluminando uma moça, sentada em uma cadeira, em cima do palco, com os pulsos presos à cima da cabeça por uma corda, que estava pendurada no teto. A música começou a tocar, e conforme as batidas iam e vinham, Margaret apareceu, andando em um sensual balançar de quadris, trazendo a platéia ao delírio. Começou a dançar, conforme tinha ensaiado a coreografia, da música da Christina Aguilera, perfeita para a ocasião. Mãos na cabeça, olhos fechados, quadris de um lado para o outro; naquela hora agradecia por ter feito tanta academia, sua barriga era perfeita.
“I'm not myself tonight
Tonight I'm not the same girl same girl
I'm not myself tonight
Tonight I'm not the same girl same girl”
Quando chegou ao refrão, Margaret aproximou-se da moça sentada na cadeira. Apoiou as mãos, uma de cada lado da cadeira, inclinando-se por cima do corpo da moça, enquanto girava a cabeça, movimentando seu cabelo, e fazendo todos gritarem de excitação. Colocou-se entre as pernas da outra, uma perna de um lado da coxa e a outra perna do outro, esfregando-se na coxa da outra, e para acabar o refrão, lambeu o pescoço da sua presa, arrancando gritos sem fôlegos de todos.
“I'm dancing a lot and I'm taking shots and I'm feeling fine
I'm kissing all the boys and the girls
Someone call the doctor cause I lost my mind
Cause I'm doing things that I normally won't do
The old me's gone I feel brand new
And if you don't like it fuck you”
Continuou fazendo a dança, no ritmo da música, ajoelhando-se no chão, levantando, cabeça para o lado, ombros para o outro, um passo com as pernas para cá, outro com o quadril para lá, e mostrou um dedo do meio para a platéia, quando foi falado na música, mostrando a língua, cheia de pose. E foi só então que ela percebeu, que havia alguém diferente na platéia, que destoava daqueles esquisitos de sempre. Aqueles olhos marrons cor de chocolate, olhavam-na, admiravam-na, com um sorrisinho no rosto. De repente, o olhar refletiu um momento mínimo de dor, mas que fez com que as inevitáveis lembranças passassem de relance pela sua mente:
“- Vem, me come pela última vez! Eu sei que é isso que você quer... – ela dizia, sedutora.
- Não! Sabe que não quero assim! – a outra tentava se esquivar.
- Você me acha gostosa, eu sei que gosta. Vem, me fode gostoso como só você sabe fazer... – mordeu os lábios sensualmente.
- Não me incomodo com as palavras que diz, até as uso quando transamos várias vezes. Mas assim, eu não quero. Eu tenho nojo de você agora. – as palavras dela foram abafadas pela gargalhada da ruiva.
- Eu conheço bem o seu nojo, eu conheço seus segredos, lindinha, e eu sei o quão suja você pode querer ser... – ela provocou, e o olhar que recebeu em troca, daqueles olhos cor de chocolate, jamais esqueceria. Sentiu um aperto no peito, sem deixar transparecer, mas aquele olhar doeu muito mais do que qualquer palavra que Carmen dissesse.”
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