Superfície


Encontro-me acima da superfície. Eu, que sempre quis me afogar em águas perigosas, passo meus dias nadando tranquilamente na superfície desse mar. Sento por cima das águas, brinco com elas, mas com um dos meus pés mergulhado profundamente. O ar aqui é bom, como eu nunca achei que seria. É fresco. Posso sentir a vida entrando em meus pulmões. Respiro fundo e vejo longe. Meu corpo nu está livre. Eu estou livre. Mas meu pé continua bem enterrado nas profundezas da água. Veja bem, aprecio o ar aqui de cima, é bom pegar esse sol de manhã, mas eu não consigo sobreviver sem mergulhar. Gosto dessa profundidade, preciso dela. Olho ao meu redor, e encontro-me sozinha. Estou respirando sozinha. Relaxa. Inspira, espira. 

O céu está escuro. Um pouco azul, um pouco cinza. De vez em quando alguns raios de sol aquecem minha pele. Mas até mesmo o cinza está fazendo bem para o meu corpo. Eu gosto das nuvens que se acumulam acima da minha cabeça. Esse vento gostoso arrepia minha nuca, e eu consigo sorrir. Mas quando anoitece começo a sentir frio. Arrepio dos pés à cabeça, e fico morrendo de vontade de me atirar por inteiro nas águas, para parar de sentir frio. A água está quentinha, ela sempre está. Desço o outro pé gentilmente, sentindo a água me envolver, abraçando-me. A vontade de descer começa a me dar ansiedade. Nervosa, eu clamo por me afundar de novo. É o que eu sempre fiz, é o que eu sei fazer. 

O grito da gaivota me traz de volta à realidade. Os pássaros voam. Escuto o som do mar batendo nas rochas lá na frente. Isso me acalma. Não preciso mais viver em baixo d'água. Eu poderia até viver aqui por cima, por alguns dias, experimentando essa liberdade que eu tanto procurei. Mas aqui estou sozinha. Lá nas profundezas eu tenho meus fantasmas, que me acolhem e protegem. Aqui em cima promessas de raios de sol me esperam. E as pessoas nunca foram muito boas em cumprí-las. Nesse momento, não sei o que fazer. Ficar aqui completamente desprotegida, mas forte como uma rocha, dá-me medo. Mas me afundar novamente é suicídio. Preciso descobrir quais caminhos tomar, para onde ir, mas enquanto isso, aproveito essa brisa do mar que me renova as forças.

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