Sabe aquela sensação de perder seu melhor amigo de infância? Então, é o que venho sentido ultimamente. Veja bem, você tem aquele amigo que conhece desde que usava fraldas, ou brincava de barbie ou carrinho o dia todo, e vocês cresceram, e começaram a compartilhar segredos, ele conheceu sua primeira paquera, soube do primeiro beijo, riu das palhaçadas nos dias de escola, e compartilhou momentos únicos nessa vida contigo. E então, em um dia inesperado de outono, a vida aconteceu e vocês seguiram caminhos diferentes. Escolas diferentes, cidades diferentes. Vocês cresceram. Nunca mais se viram, e de vez em quando a saudade bate forte, a nostalgia daqueles dias volta a lhe apertar o peito.
Pois então, essa sensação tem sido constante desde o outono passado, quando a minha amada amiga e avó foi sem mim. Os dias, os meses não são tão fáceis, mas dá para seguir em frente, seguir com a vida, mas ás vezes a saudade bate! E bate forte viu? Assim como meu coraçãozinho. Engraçado como ás vezes ficamos tão bravos por tão pouca coisa! Eu que o diga, brava que só por causa de uma caneca com um emblema de ET com gorrinho. O fato não é a caneca em si, mas quem fazia leite com chocolate para mim nela toda vez que eu dormia lá, só para ver o Oscar ou o Emmy. Aliás, até perdi o Emmy do ano passado, e o vestido amarelo canário da Mariska será sempre inesquecível, não só pela cor, mas por eu apontar várias vezes na tela e dizer: "Vó, é a Mariska, é a Maris, vó!"
De noite, costumávamos dormir na sala, no colchão de criança de cachorrinho, só para eu ver Tom & Jerry à meia noite. Compráva-me saias e roupas rosas e brilhantes, mas com o tempo aprendeu que eu preferiria um anel de caveira, ou um all-star de cano alto, e então passou a me deixar levar os livros que eu quisesse, e quando dava, os boxes da minha série mais amada. Com o tempo, eu cresci, deixei de ser criança. Com as mudanças, a senhora continuou a me apoiar, e as nossas conversas só aumentavam. Eu nunca consegui parar de falar, não é mesmo? E quando finalmente eu ia aprender a ser adulta, e ter meu primeiro trabalho e um salário considerável, e ia pensar em poder finalmente levar a senhora para passear, presentear, retribuir, os ventos de outono a levaram para um lugar melhor.
Ás vezes é difícil, sabe? Sendo a mais velha, eu tenho aguentar, ajudar, dar suporte, mas quem vai estar lá por mim? Eu sinto falta de abraços, e me lembro de chegar na sala e lhe abraçar sem motivo nenhum, só por abraçar. Eu sinto falta disso. Eu preciso disso, e saber que seus cabelos brancos e os óculos e a sua mania de querer arrancar qualquer fiozinho solto na roupa já não estão mais aqui, que sua mania de passar a mão nas unhas que tanto irritavam já não vai mais acontecer, e que as músicas do Roberto Carlos não serão mais ouvidas por você, dói. Dói demais.
Sabe, vó, que eu fiz uma tatuagem? Fiz sim, em homagem à senhora. Uma tartaruga marinha, né Vovó Veloz? Ela estará pra sempre comigo, assim como a senhora. Você fez parte da minha vida, da minha história, o tempo inteiro, todos os dias, de todas as fases. Por isso está sendo tão difícil. Sem você, sem minha tia... É vó, o jeito extravagânte dela de ser me faz falta, ela também era minha amiga. Sinto que vocês eram as duas, fora minha mãe, que mais me entendiam, e aceitavam.
Sabe, vó, eu sei que as pessoas não são eternas. E ver alguém que nunca foi tão próximo, ir aos poucos mudando, também dói. Minha avó, a costureira, a destemida, a faço-tudo-sozinha, a italiana, já está envelhecendo, esquecendo, enfraquecendo... E eu sei que o outono dela também vai chegar. E isso me dá medo. Meus olhos se enchem d'água e meu peito se aperta. Sabe, vó, ás vezes eu queria que pudéssemos pular o outono, mas eu sei no fundo, que essa é a lei da vida. Os outonos virão, todos os anos, para todas as pessoas no mundo. E que não devemos ter medo dele, mas sim nos preparamos com bons momentos e memórias felizes para serem lembradas em ceias de verão regadas à vinho, pernil assado, e muito Roberto Carlos na televisão.
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