Conto escrito para o concurso de contos da 13ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, pena que não ganhou.
Procura-se: Identidade
Ordem e progresso. Até que ponto a ordem traz
o progresso? Até que ponto ela o atrapalha? Essa desordem nacional é tão
organizada que me dá medo. Queria eu, mais bagunça dentro desse país das
diferenças. Que país é esse? Já não sei mais. Que povo é esse? Não o conheço.
Que cara é essa? Não é a minha. Que bandeira é essa? Eu não a escolhi. Procurando
qual camiseta usar, percebo que são tantas estampas, tantas letras, tantas
nações... Mas nenhuma delas condiz com o que tenho pra dizer. Vou de branco,
mas... Branco branco, branco amarelo, ou branco preto?
O volume
do som continua no último, enquanto acabo de me arrumar. Bermuda, tênis,
camiseta, orgulho, relógio, coragem, boné, esperança. Ninguém pode me calar,
ninguém pode me derrubar. Liberdade, eu quero uma pra viver. Ilusão de
principiante. Aqui nada funciona direito, não é mesmo? Não temos sempre que dar
o nosso famoso jeitinho brasileiro? Mas por que não? Por que concordar em
criticar? Por que concordar em se conformar? E se eu não quiser caminhar e
cantar nessa roda viva de modernidade instalada nesse país tropical? E se eu
não quiser o futebol e a cerveja e o carnaval? Isso me faz menos brasileiro?
O cheiro
do perfume denuncia a sua origem. A música berrando no rádio não condiz com a
nossa realidade. O celular que toca insistente na cômoda me lembra de que já
estou enrolando demais. Na cozinha a garrafinha de água gelada me garante a
sobrevivência. Mas e os meus direitos? Quem me garante? Bato a porta. Escadas,
ruas, buracos, sol do meio dia e o som da multidão me enchendo os ouvidos.
Suspiro. Passos apressados. O barulho das mensagens que não param de chegar,
estou quase lá. E quando vejo, cada vez mais pessoas espremidas em espaços tão
apertados, cartazes levantados, cores e vontade e determinação saindo pelos
poros. E o que me invade é um sentimento que ainda não tem nome, é uma emoção
sem fim, é sentir-se parte de um todo. É o que me impulsiona para a vida.
Gritos,
passos, palavras, ruas, bairros, avenidas. E o país é nosso. E a voz é nossa. E
o coração é nosso. Não quero fazer parte da geração coca-cola, eu quero uma
geração nova! Quero o nosso solo, os nossos grãos, o nosso leite. Quero o nosso
sol, a nossa chuva e a nossa seca. Quero a nossa música, os nossos livros e os
nossos programas. Eu quero o índio, a mulata, o caboclo, o branco, o mestiço e
o negro cantando na mesma sintonia. Quero o verde das nossas matas, o amarelo
do nosso ouro, o azul do nosso céu, e o arco-íris da nossa diversidade. Eu
quero a criança e o velho, a inocência e a experiência. Quero o direto à
escolha, quero o direito de ir e vir, quero o direito de ser.
Eu quero, quero porque quero, e quero
mesmo. E ninguém me fará desistir. Desistir do meu país, da minha nação, do meu
povo, da minha vida. Nossa voz aumenta, ganha os prédios, os condomínios, e o
céu. O barulho dos nossos pés batendo no chão, ribombando com os preconceitos,
mostrando a nossa força, demonstrando a nossa luta. O verde e o amarelo pintado
no rosto vão além do time da copa, além dos caras pintadas, além da nossa
juventude, além das nossas diferenças, criando uma nova história de sangue e
suor do nosso povo. O nosso protesto vai além de postagem no blog, além de
fotos e comentários escondidos através de uma tela de computador.
Houve um
tempo em que a nossa juventude estava perdida, assim como aquele tempo em que
éramos calados com a força bruta. Hoje já podemos gritar o que pensamos, cantar
a música que quisermos, hoje a nossa liberdade é grande perto do que era. O
progresso nos foi conquistado, mas a nossa luta ainda não acabou. Quanto
retrocesso escondido em piadas inofensivas de humor! Quanta opinião sem
fundamento travestida de preconceito! Quanta repressão na liberdade de ser! Ás
vezes penso que a humanidade seria menos infeliz se o senso comum não fosse
ditador do que é normal e aceitável dentro da nossa sociedade. Talvez se
soltássemos as amarras que nos amordaçam e nos calássemos diante do
desconhecido, o medo não seria um grande problema nas próximas gerações.
Dirão
nos jornais as estatísticas de quantas pessoas invadiram as avenidas, mas esse
número não condirá com a realidade. Os meus olhos enxergam mais de mil corações
batendo no mesmo ritmo. Separados somos minorias perdidas sem um foco do que queremos,
mas juntos... Ah! Juntos somos um, juntos somos a força. Juntos somos a
maioria. Juntos somos todos. E não queremos exclusividade, não pedimos mais do
que o mínimo, mais que o respeito de simplesmente existir como se é. No fim do
dia, os pés doendo, e a satisfação estampada no rosto de ter feito parte da
história, e não simplesmente de vê-la passar.
É noite,
estou voltando para o meu apartamento, você para a casa da mãe, e ele para o
barraco no morro. Dizem que não há mudança, que não há jeito, que é tudo em
vão. Desculpe-me em ter que discordar. Estamos em constante mudança, e isso não
acontece da noite para o dia. Amanhã comeremos o mesmo pão, e tomaremos o mesmo
café preto, e seguiremos a mesma rotina de todos os dias. Mas você não será
mais o mesmo. Suas palavras não serão repetidas, seus pensamentos não serão
mais reprimidos, e você não sentirá mais o que sentia. E assim, de pessoa em
pessoa, de ação e em ação, o nosso povo e o nosso país não serão mais os mesmos.
E o que será que será? E nós, o que seremos?
Se a resposta ainda não aparecer, não tem problema. Não há desespero em querer
se encaixar. E não há por que haver julgamentos em quem já se descobriu.
Precisamos do nosso nacionalismo, precisamos da nossa vontade, e buscamos a
nossa representação entre e o verde e o amarelo da nossa bandeira. E o nosso
país, o que será? Será nosso. O nosso Brasil. A nossa história. A nossa cultura
e a nossa felicidade, o nosso amor e o nosso sonho. E eu, quem sou? Negro ou
Branco? Homem, mulher, transexual? Umbandista, católico, evangélico? Gay,
Hetero? Sou humano. Sou feliz. Sou brasileiro. E não tenho representante.
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