Crônica - Parte de um Mundo à Parte



— Mano, olha isso.

— O quê?

— Nesse livro aqui, a muié estupra a Pombinha!

— Mas num livro de Aluísio de Azevedo? Que tá na lista da Fuvest?

— É! Olha aqui!

            E eu dando risada das caras embasbacadas que aquelas pseudo-adolescentes faziam enquanto liam um trecho de “O Cortiço”, em plena sala de aula. Imagine se resolvessem abrir um dos livros que eu levava, trocando-os semanalmente, como uma amiga minha o fez. Abrindo numa página marcada, ficou horrorizada com o vocabulário descrito, de baixo calão. Ainda sussurrei um “bem-feito”, quem estava lendo o livro era eu, não ela. Quem mandou mexer?

            Sempre gostei de chocar as pessoas com o conteúdo do que leio apesar de sempre me lembrar da minha mãe dizendo: “O que não podemos é chocar”. Mas o que fazer se me agrada ver a cara de hipocrisia das pessoas ao verem uma mulher semi-nua, na capa de um livro que carrego debaixo do braço? Para depois, em uma reunião de família, dizerem o quão gostosa sua filha de treze anos é, usando micro-shorts e uma blusinha?

            Dia desses, ouvindo música na rádio, estava eu lá empolgada cantando a plenos pulmões uma música da P!nk, quando chegou na hora do refrão, abri a boca para soltar um grande e bem dado “fucking perfect” e me deparo com um espaço vazio no meio, para depois continuar a letra da música. Murchei na horinha! Mas que história é essa de mudar o conteúdo da música, e sem saber o que por no meio, deixar mudo na hora do palavrão? Pois é, tinha me esquecido que no Brasil, as pessoas são politicamente corretas.

            Nunca que os artistas brasileiros iriam lançar uma música contendo palavrões e imagens de mulheres com seios de fora. Sempre achei mesmo que o Skank falava de uma garota nacional de qualquer nacionalidade menos brasileira. E as cervejas então? Não vê que os comerciais só mostram mulheres em maiôs comportados, já acima do peso, no sofá de casa? Ficou louco em achar que as novelas globais iriam mostrar um casal em plena atividade sexual, mostrando a barriguinha sexy do ator que ninguém sabe que gosta da mesma fruta que a atriz com quem está debaixo dos lençóis?

            Fico sem palavras quando alguém me mostra o novo CD da Ana Carolina. Como ela ousa cantar tantos palavrões, e ainda por cima dizer com todas as letras que ‘comeu a Madonna’? Tampem os ouvidos, crianças, vocês não podem ouvir tal sandice! Mas toma aqui, vai comprar algo que lhe ensine coisas educativas, como esse CD que a moçada de hoje escuta. Qual é mesmo o nome do novo hit do momento? É, esse mesmo, “ABC da Putaria”, ou coisa parecida.

            Claro que não concordo que crianças de menos de oito anos ouçam músicas com tanto, digamos, conteúdo, ou que nessa idade já conheçam um leque de palavrões, mas o que fazer, quando os próprios pais os falam na sua presença? Mas me sinto incomodada ao ver e ouvir tantas coisas contradi... contra... como é mesmo? Ah esqueça, esses troços que falam um negócio e depois fazem outro. Fico injuriada! E o que isso significa? Abafa o caso, não faço idéia, mas foi o que aquela louca da professora de português falou outro dia aí.

            Mas por que me impedem de ouvir o que eu quero, ler o que eu quero, ou assistir o que eu quero, taxando tudo de imoral, ilegal e que faz mal? Juro que pago minhas contas, não jogo lixo na rua, ensino meus filhos a dizer obrigado e a respeitarem os mais velhos? Ah é verdade, que cabeça a minha! Como pude me esquecer que faço parte de uma nação que nossos direitos só se fazem jus no papel, e a população finge que entende e se revolta, xingando todo mundo no twitter?

            Como se isso não bastasse para a minha pobre cabecinha, ainda noutro dia conversando com uma garotinha que tinha acabado de fazer oito anos, eu com toda a minha empolgação de alguém que nunca cresceu, comento que estava doida para assistir O Rei Leão em 3D no cinema. A garotinha torcendo o nariz balançou a cabeça.

— Não gosta de Rei Leão? Como assim? Eu fiz minha mãe enjoar de tanto assistir!

— Ah tia, isso é coisa de bebê! A tia é bebeê!

            Tola de mim, em achar que a sociedade de hoje em dia é a mesma de antigamente. Pô tia, é assim mesmo, tá ligada? Tôôô.. Estou ligada que devo fazer parte de um mundo aparte e que devo me atualizar. Tudo bem, juro que vou mudar! Vou ouvir funk, sertanejo, ver bandas coloridas no youtube, e beber um pouco mais de cerveja.

            Não posso desligar completamente, tem que ser aos poucos, então me passa o controle aí. Eba! Está passando aquele seriado que eu amo! Sobre o que é? Ah, é móh da hora! (sacou meu novo vocabulário?) Fala sobre uns detetives aí que cuidam de casos hediondos, como estupro de mulheres e crianças. Como assim, que horror? Mas eu juro! Olha esse casal que fofo, e além do mais, eles fazem justiça e...

— Devolve o controle!


O quê? Tenho que assistir à algo mais educativo? Ah não, tudo de novo não!

Um comentário

  1. Adoreei...Muito bom o rumo do texto, as críticas que ele faz. Ri bastante. Parabéns Laris! *_*

    ResponderExcluir

Layout por Maryana Sales - Tecnologia Blogger