(baseado em fatos reais, e não, não é sobre a Garota Jolie)
Conto – O
Banco Vazio
Nunca
gostei de levantar cedo para trabalhar, principalmente quando se tem que
levantar mais cedo ainda para pegar ônibus, que demora uma eternidade para
passar de novo, caso você perca o primeiro. Mas como nem sempre temos que fazer
somente tudo o que gostamos, eu tinha que acordar todos os dias para não perder
o ônibus. Toda vez eu me sentava nos bancos da frente, encostando a cabeça no
vidro, amuada, ansiando logo para que eu chegasse ao meu destino. Sim, sempre
acordava mal humorada e sem saco para nada.
Até que um dia, milagrosamente com
um pouquinho mais de humor, eu não dormi de imediato, e o que vi fez meu queixo
cair, sim, quase que literalmente! A mulher mais linda que eu já vira em toda a
minha vida entrou no ônibus! E vocês não sabem da maior: ela era a cara da
Angelina Jolie. Sério! Não riam, por favor! Eu quase tive um ataque do coração!
Ela não me viu. Lógico, como que uma mulher daquela iria olhar para uma pessoa
tão insignificante como eu? Mas isso não vem ao caso. Ainda assim, eu não consegui
tirar meus olhos dela.
Percebi que ela andou até o fim do
ônibus, e deitou a cabeça na parede de dentro, cruzou as pernas, pronta para
cochilar. Continuei assim, com a cabeça virada, quase parecendo uma coruja, até
praticamente a hora que o ônibus fez uma parada, ela acordou, pegou a bolsa e
desceu. Quando meu encanto se acabou e enfim virei à cabeça pra frente, comecei
a sentir uma enorme dor no pescoço. Era só o que me faltava! Torcicolo. Mas eu
estava feliz, aquela moça conseguiu me animar o dia.
E assim, durante um tempo, todos os
dias eu comecei a sentar no banco toda animada, esperando pela sua chegada.
Não, não sou maníaca, ok? Sou uma garota normal que simplesmente tem paixonites
agudas por mulheres, e nesse caso em específico, por uma que é a cara da Jolie.
Eu sempre fui fã número um da atriz, sério mesmo. Dessas com pôster na parede,
milhares de DVDs e revistas com fotos e tudo o mais que eu pudesse achar com
coisas da Jolie. Sabia data de aniversário, casamento, adoção e até de nascimento
dos pais e bichinhos de estimação que ela já teve.
Portanto, quando aquela mulher
entrou no ônibus a primeira vez, eu quase tive um treco. Quem não sabe o que é
ser fã, não me julgue. Bom, voltando, eu continuei por dias e dias e semanas a
fio apenas a observando, admirando-a de longe, já que ela passava por mim,
sentava no último banco e adormecia, esperando o ponto dela. E como ela saia
antes de mim, eu nunca cruzava com ela. Claro que já havia me ocorrido sentar
mais perto, aliás, fui fazendo isso dia a dia. Cada dia era um banco mais para
trás, até ficar perto da porta de saída.
Comecei
a sentar ali sempre, e quando ela chegava perto, para sentar-se no último
banco, eu fingia que estava distraída, até que ela fechasse os olhos. Eu a
admirava, observando os olhos fechados, cílios longos, a boca cheia, o rosto
quadrado... Os braços cruzados em frente aos seios, o cabelo cobrindo o
pescoço, alguns fios grudando nos lábios; ela parecia tão tranquila, tão fofa,
tão linda... E eu suspirava, querendo muito conversar com ela, mas sem ter
coragem para tal coisa.
Um
dia acordei atrasada, e saí correndo de casa, calçando o tênis, penteando o
cabelo de qualquer jeito, enfiando uma blusa qualquer e escovando os dentes na
pressa. Cheguei em cima da hora pra pegar o ônibus. Além de mal-humorada eu
estava sonada e com a cara toda amassada, ótimo! Cruzei os braços, com cara de
poucos amigos, e quando eu a vi passando pela roleta, um sorriso se abriu no
meu rosto. Pelo menos aquilo havia animado um pouco a minha manhã. Ela veio
andando para o fim do ônibus, e eu senti seu perfume maravilhoso, e seus olhos
verdes se encontraram com os meus... Espera... O QUÊ?
Suas
íris verdes demoraram-se nas minhas, e então ela sorriu, cumprimentando, e
passou por mim novamente, indo sentar-se no último banco, como sempre. Com o
choque inicial, quase senti uma lagriminha descer pelo canto do olho! Não pude
acreditar na minha tremenda sorte! Ela tinha me visto, ela sabia quem eu era,
aliás, ela sabia que eu estava ali, todos os dias! E então, passado o choque,
eu comecei a me sentir ridícula, justo naquele dia que eu estava toda
desarrumada, a linda da menina resolveu olhar para mim. Sim, menina porque eu
ainda não sabia o nome dela. Quis morrer, sério! Poxa, custava ser em qualquer
outro dia?
A
partir daquele dia, todas as vezes que ela passava por mim, sorria, me
cumprimentando, e eu estava nos céus! Não posso mentir, desde aquele dia eu
comecei a sair todos os dias arrumadas, vai que... né? Então um belo de um dia
eu entrei no ônibus um pouco atrasada do que de costume, e havia um cara
sentado onde eu costumava sentar. Suspirei, contentando-me em sentar lá na
frente de novo. Cruzei os braços, era um dia frio, encostei-me à janela e ali
fiquei até ver a moça passando pela roleta novamente. Olhei para ela, e veio o
sorriso mais lindo do mundo.
Ela
sentou-se lá atrás, cruzou as pernas e adormeceu. Eu percebi que chegamos no
ponto onde ela descia, mas ela permanecia adormecida. Eu queria de todo jeito
ir lá chamá-la, falar para ela que o ponto tinha passado, mas fiquei com
vergonha. Quem era eu? Como saberia onde ela desceria? Essas e outras perguntas
rondavam minha cabeça, gritando constantemente que eu era uma stalker das
piores. Achei melhor ficar na minha. Quando estava perto do meu ponto, levantei
indo até o fim do ônibus, meio cambaleante, segurando-me nas alças, e fiquei de
pé perto da porta, consequentemente perto da moça.
Sempre
tive o costume de sentar no braço do banco, para não ficar parada feito um
espantalho, e dessa vez não foi diferente. Cuidadosamente sentei ali, rezando
para não encostar um centímetro na moça, para que ela não acordasse, mas ao
mesmo tempo com o coração a mil por estar tão perto daquela deusa. De repente,
não mais que de repente, o ônibus fez uma virada brusca e eu não consegui me
segurar a tempo, cai exatamente onde? Onde? ONDE? No colo da mulher. Meu Deus
do céu! O susto foi tão grande (o meu e o dela, óbvio), que eu demorei um pouco
para me tocar o que tinha acontecido.
— Olá, meu
nome é Babi! – foi a primeira coisa que eu disse, com a adrenalina correndo
pelo meu sangue.
Ela continuou me olhando surpresa, e
eu, sim, prêmio de mais sem noção do ano vai para mim, eu só consegui dizer:
— Você é
linda, sabia? Posso ficar aqui pra sempre? – sorri feito uma idiota.
Ela começou a gargalhar, uma risada
tão gostosa, que eu comecei a rir junto, de nervoso. E só então comecei a
entender o que acontecera, e queria simplesmente sumir! Escorreguei para o
banco ao lado, colocando as mãos no rosto, sentindo-me a pessoa mais sortuda
azarada da face da Terra. Depois disso, a única coisa que eu consegui dizer foi
um:
— Desculpa!!!
— Não, tudo
bem, se machucou? – ela perguntou, rindo, recompondo-se. Eu não sabia onde
enfiar a cara, sério! Estava vermelha feito um pimentão.
— Imagina,
estou ótima! Por que, não te machuquei, não é? – fiquei preocupada,
inclinando-me para frente para observá-la.
— Claro que
não, estou bem – sorriu, virando-se para mim. E então, olhando ao redor,
percebeu que tinha, infelizmente, ou felizmente, perdido o seu ponto. Suspirou,
visivelmente chateada. — Eu não devia dormir tanto... Ah, falando nisso, meu
nome é Fabiana.
— Prazer... E
desculpe, mais uma vez, estou morrendo de vergonha!
— Nem precisa
se desculpar, eu já passei por cada uma também, nem te conto! Posso não
parecer, mas sou bem desastrada.
— Ah então me
entende – dei um sorriso amarelo. — Só é chato me conhecer nessa situação
constrangedora...
— Hum, mas eu
já lhe conheço... Você me vê chegando todos os dias, não é?
Eu comecei a ficar pálida, e
concordei com a cabeça.
— Sentava lá
na frente, agora começou a sentar aqui atrás...?
Concordei, sem conseguir dizer uma
única palavra.
— E sorri
todas as manhãs pra mim.
Engoli em seco.
— Vamos lá,
não precisa ficar assustada – ela riu. — Pode não parecer, mas sou muito
observadora. Bom, eu não posso me prolongar mais, tenho que descer nesse
próximo ponto.
— Ah, uma
pena... Mas, foi ótimo lhe conhecer – sorri sincera, estendendo-lhe a mão.
— Também amei
lhe conhecer – levantou-se, inclinando-se, dando um beijo estalado no meu
rosto, quase me fazendo derreter. — Nos vemos amanha? – sorriu.
— Claro.
E antes de sair, quando o ônibus
parou e abriu as portas, virou para mim e disse:
— Toda manhã o
banco ao meu lado fica vazio... – piscou para mim.
— Amanhã não
estará – sorri de volta, enquanto a via descer do ônibus e partir.
Quando parei para me dar conta,
comecei a rir sem parar. E não é que hoje eu adoro acordar cedo? Pegar ônibus
então? Oitava maravilha do mundo. Então me dá licença que hoje é sábado, e
ainda assim, graças aquele dia, eu tenho um ônibus pra pegar.
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