Conto - Feed Me Diamonds
De costas para
mim, seus olhos castanhos fitavam o espelho a sua frente. Com o pincel,
espalhava a base em seu rosto moreno, mesclando a cor até ficar no mesmo tom,
recriando as linhas do rosto. Pegou as lentes que estavam em cima da cômoda e
colocou-as, agora tornando seus doces olhos azuis. Sorri tristemente, sentada
na beirada da cama. Não ousava olhar pra mim. Os lábios bem cheios, cobertos de
base, agora ganhavam uma cor dourada. Logo depois foi a vez de cobrir as pálpebras,
usando sombras marrons e douradas também.
Admirei a linha da sua coluna, suas
costas nuas, em contraste com a calça jeans surrada que usava. Os músculos dos
braços, as tatuagens... Tinha um tigre do lado direito, perto do ombro, e uma
fada do lado esquerdo. Levantei-me, indo até ele, colocando minha mão esquerda
em seu ombro. Sua pele quente e macia em contraste com meus dedos gelados. Senti-o
arrepiar-se, mas ele nada disse. Continuou se maquiando até que estivesse tudo
uniforme e pronto. As íris falsamente azuis olharam diretamente para meus olhos
negros, através do espelho.
— Não precisa
ir, você sabe...
— Sei, mas eu
quero ir.
— Você poderia
ficar aqui comigo...
— Por favor,
amor, não começa de novo – ele virou-se para mim, encarando-me diretamente
agora.
Baixei os olhos, retirando minha mão
do seu corpo e me afastei. Engoli em seco, percebendo seu corpo deslocando-se
pelo quarto, pegando os enchimentos e colocando em cima da cama. Abriu a
gaveta, pegou a meia-calça bege e começou a colocá-la, com o maior cuidado do
mundo, cuidado que nem eu não tinha. Suspirei, encostada na parede agora,
voltando a apenas observá-lo. Pegou os enchimentos e colocou um de cada lado,
um em cada coxa, moldando um novo corpo para si mesmo. Colocou a saia com
brilhos e fios pendurados saindo de um enfeite no meio; depois pegou duas metades
de algo que eu nunca soube o que era, para recriar os seios. Por fim, pôs o
vestido dourado.
— Sabe, eu
fico me lembrando...
— Do quê?
— De como era,
quando éramos só nós dois. Sem a Tatiana.
— Era bom... –
ele sorriu baixando a cabeça.
Era mesmo. Quando éramos só nós
dois, éramos mais felizes, ou pelo menos eu acho que éramos. Lembro-me de seu
corpo delicado dançando no meio do quarto, como se não houvesse mais ninguém no
mundo, nenhuma preocupação, sobre nada. Os braços mexendo-se em perfeita
harmonia, a cabeça de um lado para o outro, o corpo se contorcendo conforme a
batida da música. Cheguei ao quarto de mansinho, e ali fiquei parada no batente
da porta, admirando-o dançar consigo mesmo. Era o homem mais lindo que eu já
havia visto. Era o homem por quem eu tinha me apaixonado.
— Mas faltava
alguma coisa – sua voz baixa tirou-me de meus pensamentos.
— Como assim?
— Marina, por
favor, entenda – Virou-se para mim. — Você podia estar bem consigo mesma, mas
eu não estava. Faltava algo... Eu era incompleto. Era bom, mas não o
suficiente.
— E agora é?
— Talvez.
— E se eu não
aceitar?
— Ficarei
incompleto de novo, mas não desistirei da Tatiana por você. Se não aceitar,
terei a certeza de que não me ama o suficiente para ficar, então não merecia
meu amor incondicional também.
Olhou-me por alguns segundos, e como
eu nada disse, voltou-se para o espelho. Pegou a peruca loira que estava
pendurada e colocou na cabeça, ajeitando-a. Foi até a penteadeira e colocou os
acessórios, todos grandes e exagerados. Voltou até o espelho, olhando-se mais
uma vez, então, virou-se de frente para mim. Olhou-me, procurando pela minha
aprovação, pelo meu consentimento, pelo meu entendimento. Sorri-lhe
tristemente.
— Você está
linda, Tatiana.
— Obrigada,
meu amor – um largo sorriso abriu-se em seu rosto.
Aproximou-se de mim, segurando meu
rosto delicadamente, com os dedos em meu queixo. Olhou-me dentro dos olhos,
sorriu, e seus lábios tocaram os meus.
— Eu amo você.
— Não é fácil
para mim... – sorri com uma lágrima descendo pelo meu rosto.
— Eu sei, nem
para mim. Mas com você aqui, ao meu lado, é mais fácil seguir em frente.
— Eu também te
amo – abracei-o forte, chorando baixinho.
Depois de alguns segundos, ele me
soltou, e nos afastamos. Olhei-o de cima a baixo, vendo não mais o meu
namorado, companheiro, mas sim Tatiana. Sorri, suspirando, dizendo:
— Vamos lá,
você está linda, vai arrasar no show hoje à noite.
E o sorriso que recebi de volta me
fez ter a única certeza de toda a minha vida: eu jamais iria deixá-lo, o amava
exatamente como era.
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