Crônica - Amargo Café



Amargo Café

Ela não era mais uma menina, mas nem por isso eu deixaria de cantar Legião Urbana para ela em um sábado chuvoso, deixando que ela fizesse o que quisesse de mim. Ela não era mais uma menina, seus olhos, outrora chocolates que me encantavam, estavam opacos e sem brilho. Os vestidos curtos que usava para cantar Kid Abelha em cima da cama, se achando a própria Paula Toller, foram substituídos pelo jeans e camiseta. Os fones nos ouvidos ainda me mostravam que seu gosto pela música não havia mudado. E então, um braço protetor rodeou seus ombros morenos, os quais sempre tive vontade de morder. Loucura, eu sei, mas quem se importa? Duvido que garota alguma reclame de ser beijada, mordida no ombro, e convidada para passar mais que uma noite, porque não a vida inteira?

O cara, com o topete enorme e artificial, gastava saliva adoidado, sobre algo que eu não pude entender, não de tão longe. Mas ela... Os olhos vermelhos e assustados... Senti as lágrimas aprisionadas, com a ordem absoluta de jamais descerem em público, mas as mais rebeldes já se aventuravam pelos cantos dos olhos. Meu coração apertou, e eu queria sair correndo no meio da estação de metrô lotado e abraçá-la apertado, como um final de conto de fadas. É, mas havia um detalhe, o detalhe mais importante nessa história. Não havia príncipe. Ou, se houvesse, claramente não seria eu. Exatamente. Tive que calar meu grito de independência na garganta, sentindo-o arranhar-me, desesperado para sair e poder ficar ao lado dela.

Olhei-a novamente, a expressão em seu rosto era de conformismo, enquanto beijava os lábios daquele ator fajuto. Ela não estava feliz, eu podia perceber no jeito como mordia os lábios ao segurar o choro, e seu rosto ficava levemente triste, mas que ninguém percebia se não a conhecesse. E eu conhecia.  Assim como o sorriso que ela ostentava ao apertar a mão daquele rapaz, era completamente pintado, como quando costumava pintar os lábios com o batom vermelho da mãe. Como eu daria tudo para ter um sorriso bonito e verdadeiro dela! Mas quando seus dedos se entrelaçavam aos meus, o que eu via em seu rosto moreno era medo, receio, como se fizesse algo de errado.

Como quem finalmente joga a toalha, a derrota tomou conta dos meus ombros, e eu me dei por vencida. O sorriso de nostalgia congelado em meu rosto contorcido pela dor. Olhei-a mais uma vez. Os cabelos cacheados balançando com o vento do metrô passando veloz, tão veloz quanto foi a minha felicidade com ela. Não era pra ser, tentei me convencer pela milésima vez durante aqueles meses, nos quais xícaras de café eram consumidas até que o gosto ficasse amargo e enjoativo. Olhei a minha volta, quantos casais passeando, embarcando e desembarcando no trem da vida, experimentando o doce lado do amor. Sorte deles. Juro que sempre tentei entender como podem desperdiçar com tanta facilidade uns aos outros, enquanto nós, criaturas tão desprezadas e perdidas, nos agarramos com unhas e dentes em promessas feitas em castelos de areia, situados em reinos tão distantes um do outro.

Essa vida é filha da mãe, certo? Quão irônico seria, se eu lhe dissesse que foi a primeira vez que a vi ao vivo, com meus próprios olhos? Eu talvez a conheça mais do que aquele garoto que a carrega como troféu. Mas isso não importa, não é? Desde que ela case, tenha uma casa modesta no centro da cidade, preparando o jantar e a casa para receber o marido ao fim do dia, com o cachorro e os filhos alegres em vê-lo. Meu riso desprendeu da garganta, saindo pelos meus lábios secos como areia, com um soluço prevendo a torrencial que logo viria, eu podia vê-la chegando a casa com seu namorado. O sorriso manchado no rosto, e tristeza escondida nos olhos. A vida pode ser doce, se você aceitar que “felizes para sempre” irá sempre reinar. Pedi uma xícara de café, e outra, e mais outra, para jamais perder o gosto amargo da escolha em minha boca pequena. 

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