Eu sinto a sujeira tomando conta do meu corpo.
Não sei há quantos dias não escovo os dentes.
Eu tomei banho ontem?
Que dia foi ontem?
Que dia é hoje?
Está escuro demais para enxergar. 
E eu não tenho forças para acender a luz.
Não tenho fome.
Não tenho sono.
Estou vazia.
Oca.
Eu preciso lavar meu cabelo. 
Será que consigo chegar até o tanque?
O boxe do banheiro está imundo.
Fecho os olhos para não ver.
Retrocedo.
Volto para a seurança do meu quarto.
A segurança da minha cama.
Há quantos dias não troco o lençol?
Estou tão cansada.
Não quero levantar.
É muito pesado.
Sufocante.

E se eu estiver começando a amar você? Será que é amor? Ou uma simples paixão? Meu peito dói quando penso nisso. Seria errado eu te amar, não? Mas, lá no fundo, penso se não seria para ser. E se você pudesse me amar de volta? E se você pudesse me querer? E se tudo isso fosse possível? Estaria eu destruindo uma família? Estaria eu destruindo você? Não vejo a hora de dormir apenas para poder sonhar com possíveis cenários, todos nos quais estamos juntas. Não paro de pensar em você. Eu quero te conhecer de verdade, e não apenas a versão que você mostra ao mundo. 

Crônica - Aceita um café? (+18)


Aceita um café?

*conto +18 escrito ouvindo a música Save Me Now do Andru Donalds.


Eu esperava há meses por aquele momento, era como se eu soubesse que ele fosse acontecer cedo ou tarde. Havia demorado, mas finalmente teríamos a chance de conversar a sós. Estávamos em silêncio há alguns minutos e as borboletas no meu estômago me corroíam por dentro. Sentada no chão da sala, descruzei as pernas e as coloquei para o lado, esticando-as. Ficar muito tempo com elas dobradas fazia com que formigassem.

— Aceita um café? – sua pergunta atraiu minha atenção para o seu rosto.

— A essa hora?

— Não existe hora para tomar café. – Ela sorriu, levantando-se.

Colocou a água para ferver e pegou a garrafa térmica, o coador e o filtro de papel. Esperei que minha perna parece de formigar e também me levantei, indo atrás dela. Encostei-me no balcão e a olhei descaradamente. Fazia tempo que tinha desistido de ser cuidadosa ou de ter medo do julgamento alheio. Só não tinha verbalizado ainda o que eu pensava: que ela era uma tremenda de uma gostosa. Apesar disso, eu sabia que ela sabia. Toda vez que nossos olhares se cruzavam durante as aulas ela sorria para mim.

As luzes se apagaram

 


*texto escrito ouvindo a música Fix You, do Coldplay.

As luzes se apagaram.

Durante alguns minutos, ela ficou no escuro, no mais puro breu, ouvindo a própria respiração. Não estava sozinha na cama, ainda que não se mexesse, seu corpo estava consciente disso. De repente, não aguentou mais. Estava insuportável ficar naquela cama. Agonizante. Levantou-se, fazendo o mínimo barulho possível. Olhou para o corpo que ainda repousava entre os lençóis. E se ela voltasse para cama? E se entrelaçasse as pernas nas dele? Poderia se encaixar em seu corpo, como costumavam fazer. Ela tentou se mexer, mas seu corpo não saiu do lugar. Suspirou, cansada. Ficar naquele quarto estava sufocando-a.

Foi até a sala, abrindo a porta que dava para a sacada. O vento atingiu seu corpo quente em cheio, e ela começou a tremer. Mas recusou-se a voltar para o quarto trocar de roupa. Tampouco fecharia a porta. Ela precisava de ar. Passou pela porta, sentando-se no banco que havia ali. Colocou as pernas para o lado, escorregou as mãos pelos cabelos, como costumava fazer quando pensava demais na vida. E olhou para o céu. Por um segundo, sentiu-se engolida pela escuridão. Aos poucos, as estrelas começaram a aparecer por trás das nuvens. E a tristeza atingiu-a em cheio.

Ela não estava feliz. Há muito tempo.

Não soube dizer quando aconteceu, mas ela percebeu. O desencaixe.  Alguma coisa fora do lugar, algo que ela não soube dizer, não soube precisar… Mas que não voltou para onde deveria, não importava o quanto tentasse. E ela tentou. E tentou. E tentou. O quanto mais ela deveria tentar? Estava cansada. Como sempre, carregava o mundo em suas costas. Tudo dependia dela. Tudo sempre dependia dela. Houve um tempo em que acreditou que era o suficiente. Ela poderia fazer por dois. Amar pelos dois. Viver pelos dois. E foi assim por um tempo, até perceber que não fazia diferença, pois não dependia dela. E era isso o que mais a magoava.

E a sua vida? E os seus desejos? As suas ambições? A sua felicidade? Em que parte da equação entravam? E a sua vontade de viver? E ela queria viver. Sentia seu corpo pulsando, ansiando pela vida.

As estrelas estavam ali, bem à sua frente, brilhando, convidando-a a brilhar também. Vem, vem dançar nesse céu. Transforma tua vida. Deixe a luz entrar. Sente a energia percorrendo todo o seu corpo. Veja! Seja!

Seus olhos se encheram de lágrimas. Engoliu em seco, tentando tirar aquele sentimento preso na garganta. O coração estava pesado só de pensar que o tempo estava se findando. Logo mais ela teria que tomar uma decisão, um caminho a percorrer. Por mais que não quisesse admitir, naquela luta interna o vencedor já estava anunciado.

Passou a mão no peito, massageando a pele por cima da camisa fina, como se pudesse acalmar seu próprio coração. Alguns arrepios começaram a percorrer seu corpo, levantando os pelos dos braços e da nuca. Suspirou, sabendo o que aquilo significava. Nos momentos em que seu coração se apertava de angústia, ela recebia abraço e acolhimento, um leve sussurro no ouvido, um conforto, um aconchego. E ela sabia, que não importava o caminho que seguisse, sempre estaria bem amparada, bem acompanhada.

Levantou-se. Enxugou o rosto com as costas da mão, depois entrou para a sala, fechando a porta da sacada. Andou até a cozinha, tomou um gole d’água, um remédio para a dor de cabeça, e voltou para o quarto.

Tudo parecia igual, na mesma, e ela sentiu mais uma pontada no peito. Deitou na cama, puxando as cobertas para si, enrolando-se e aconchegando-se.

Seus olhos se fecharam.

Ela se iluminou.


Conto – Outra Vida

Conto escrito ouvindo a música "Outra Vida" do cantor Armandinho.


 Era fim de tarde, e o céu estava tingido de laranja. O vento balançava as árvores, arrepiando meu braço, dando aquela leve sensação de frio, mas, ao mesmo tempo, gostoso demais para colocar um casaco. Coloquei a canga em cima da areia, bem em frente ao mar, e me sentei. Olhei para as minhas pernas, cheias de pelinhos encravados, e fiquei cutucando, puxando as bolinhas, tentando conter o nervosismo. Olhei o visor do celular umas dez vezes, e cinco minutos depois, ela apareceu.

Caminhava na beira do mar despreocupada, com os fones nos ouvidos. Dessa vez, usava um short jeans escuro por cima do biquini branco, um chinelo Havaianas, e o celular em uma das mãos. A luz do sol reluzia em seu corpo, e sua pele marrom brilhava. Quando estava perto o suficiente, ela sorriu ao me ver. Ainda que eu não pudesse ver seus olhos, por conta dos óculos escuros, eu sabia que ela estava feliz em me ver. E, pegando o mesmo caminho que ela fazia todos os dias, ela veio até mim.

­­— Cuida para mim?

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