Estilhaços
Espelho rachado, corte nos dedos enrugados, sangue
negro escorrendo pelo braço trêmulo, estilhaços da imagem perfeita. Cada gota
de álcool que desce pela garganta, é uma gota a mais de veneno que escorre
pelos lábios vermelhos. Cada risada que sufoca é transformada em gritos
desesperados de dor. Cada lágrima dilacera seus olhos, e a cada palavra morre
um pouco mais por dentro. Cada música estoura seus ouvidos, cada melodia lhe
deixa surda, cada verdade emudece os falantes. Cada rosto traz lembranças, e
cada ilusão arranca as esperanças.
Imagens
distorcidas da realidade são somente o que ela enxerga. Curva-se em choros de
mágoa aguda, rasteja atrás dos saltos altos, agarra-se à barra da saia que lhe
parece mais conveniente. O que sabe sobre a vida? O que sabe sobre o amor? O
que sabe sobre escolhas? Logo ela, que nunca teve escolhas na vida. Ou não
soube aproveitá-las? Do que importa? Só a solidão a conforta. Anda perdida
seguida por sombras, negras constatações de que a felicidade resolveu pegar o
caminho contrário.
Tentar
entender, tentar se redimir, fingir que se arrepende. O sol se levanta,
enquanto ela se deita. Braços, pernas, peitos, defeitos, não faz mais
diferença. Enrola-se em seu manto sagrado, conforma-se em se esconder enquanto
a noite não chega. E quando chega, doce rainha das noites, desliza sedenta por
vidas para chamar de sua. Bocas e línguas ferinas, venenos injetados na
corrente sanguínea, amargura bombeada diretamente ao coração. Batimentos
rápidos, respirações ofegantes, pensamentos desconexos, e apenas o prazer
reina.
Olhos
que brilham na escuridão, bocas que lhe sugam a alma, estilhaços do fantasma
que é a sua sina. Tenta fugir, correr para qualquer lugar onde possa se perder.
Não há nada a se fazer, quando o espelho reflete a nossa própria vontade. Cacos
que dilaceram, pedaços de um amor que fora tudo em sua vida. Como espadas
apontadas para ela, os estilhaços lhe rasgam a carne, infectam-lhe com sua
essência, apenas uma pequena lembrança para que ela não esqueça.
Cabeças
rodando, paredes despedaçando, enquanto ela vai vomitando. Desintoxicando.
Turbilhão de imagens, sensações desgastantes, demais para apenas uma noite.
Quando as estrelas deixam de brilhar, ela sabe que é a hora de parar. Recolher
seus estilhaços, juntar as partes que ainda lhe restam, e fechar-se em seu
abrigo. Olhos apertados para não ver, mas o coração já decorou os detalhes.
Promete a si mesma que não voltará a lhe procurar. Olha-se no espelho uma
última vez. Pedaços, retalhos, estilhaços de um amor que nunca poderia ser
curado.
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